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  A CULINÁRIA ITALIANA

Tradição e modernidade

Salame calabrês: exemplo da produção italiana exposta na Veronafiere
Salame calabrês: exemplo da produção italiana exposta na Veronafiere

Fieragricola-Agrifood 2003 mostra como a Itália persuadiu o mundo de que produtos com valores culturais embutidos devem custar mais caro

TEXTO JOSÉ AUGUSTO BEZERRA*

   Dalla terra al piatto, dalla coltivazione alla tavola. Para milhares de produtores rurais brasileiros, descendentes de imigrantes italianos, não há, obviamente, qualquer dificuldade em entender a frase acima. Quem não está familiarizado com o idioma pode franzir o cenho ao ouvi-la ou vê-la escrita mas, se prestar atenção, provavelmente compreenderá. Afinal, são línguas do mesmo tronco, palavras como 'terra', 'piatto' e 'coltivazione' têm significado idêntico lá e aqui, e nunca, como agora, Brasil e Itália estiveram tão próximos, cultural e economicamente. A maioria dos brasileiros é capaz até de arriscar algumas palavras do vocabulário de Dante, Giotto, Fellini, Monica Bellucci, Pavarotti, Vieri, Alemanno, Cametti e Mantovani, embora o sotaque, apreendido através de novelas de TV e não em escolas ou na convivência diária com 'oriundi', possa soar como arremedo do original.

   Do ponto de vista econômico, os dois países vêm estreitando as relações nos últimos anos, tentando incrementar o intercâmbio comercial entre ambos. Sexta potência econômica do planeta, a Itália transformou-se nos últimos 30 anos num grande exportador de tecnologia aplicada ao campo e produtos de qualidade graças a conjugação de tradição com modernidade. Hoje, sua pauta de exportações é de 250 bilhões de dólares por ano. Metade dessa quantia deve-se ao esforço das pequenas empresas, muitas das quais centradas na agricultura familiar. Só a região do Vêneto, onde fica Verona, sede do Ente Autonomo Fieri di Verona, que organiza a Fieragricola e outras mostras internacionais, fatura 40 bilhões ao ano. Comparativamente, o total das exportações brasileiras foi de 60,3 bilhões em 2002.

   Sem espaço para abrir novas fronteiras agrícolas, a Itália foi buscar no exterior o combustível indispensável para garantir o crescimento das pequenas empresas, já que a demanda interna não comportava mais a escala necessária para reduzir custos e compensar investimentos. Enquanto grandes corporações, em outros países, investiam em alta tecnologia para oferecer quantidade a preço baixo, os italianos persuadiam o mundo de que seus produtos tradicionais - queijo, vinho, salame, azeite, presunto etc. - agregam atributos da tradição, expressando valores culturais específicos das respectivas regiões de origem, devendo, portanto, valer mais. Quem percorreu as instalações da Fieragricola-Agrifood 2003 - Feira Internacional de Agricultura e Zootecnia, realizada de 6 a 9 de março, constatou que cultura é fator de sucesso no mercado internacional. Seu foco principal seguiu a linha: 'Da terra ao prato, da lavoura à mesa', frase traduzida corretamente pelos brasileiros que a visitaram, como Kunikazu Ninomiya, da delegação de produtores rurais da Chapada Diamantina, Bahia (leia 'Terra da promissão'). Ele revelou que decidiu ir à Verona ao ler a matéria 'Celeiro italiano', sobre a Fieragricola 2002, publicada em maio do ano passado em GLOBO RURAL.

   Atualmente em sua 105.ª edição, a feira foi distribuída em 30 mil metros quadrados de área, atraindo 800 expositores de 29 países e 100 mil visitantes, entre operadores, compradores, produtores rurais, empresários, técnicos agrícolas e consumidores. Afinal, era possível comprar iguarias de todas as regiões do país ou degustá-las em ofertas promocionais. O segmento Agrifood apresentou alimentos DOP - Denominação de Origem Protegida, IGP - Indicação Geográfica Protegida, STG - Especialização Tradicional Garantida, abrigando ainda seções voltadas à produção orgânica e agriturismo, um salão especial sobre queijos, o salão do arroz e salas para palestras e debates. Subdividido em dois setores, Ortosystem, dedicado à hortifruticultura, e Zoosystem, à produção animal, o segmento Agriexpo reproduziu ambientes rurais com especialistas a postos para explicar procedimentos técnicos. Os expositores brasileiros, convidados das Câmaras Ítalo-Brasileiras de Minas Gerais e de São Paulo, que neste ano representou as do Rio de Janeiro e do Rio Grande do Sul, mostraram produtos como o Guatchup, molho agridoce à base de goiaba vermelha, cafés orgânicos como o Grancafé, da Companhia Mogiana de Café Solúvel, de São Paulo, Ecoville, de Ourinhos, SP, frutas tropicais da GSIExports, com sede em Catanduva, SP, e castanhas de caju da Cascaju, empresa do grupo Edson Queiroz, do Ceará, convidada pela Câmara do Rio de Janeiro.

   Para o presidente da Goiabrás - Associação Brasileira de Produtores de Goiabas, Arlindo Neto, levado pela Câmara de Minas Gerais, é uma oportunidade rara de inserção no mercado mundial. 'Aqui, a gente senta frente a frente com os buyers', justificou, referindo-se às mesas redondas organizadas pela Veronafiere para juntar compradores a vendedores. Pela primeira vez, grandes redes de distribuição, como Auchan, Carrefour, McDonald's, SMA e Metro Italia Cash and Carry, reuniram-se para discutir comercialização. Arlindo afirmou que o Guatchup, que será lançado neste mês no mercado brasileiro, tem grande chance de emplacar no exterior. 'É produto novo, sem similar, altamente nutritivo e saudável', argumentou. Outro convidado da Câmara de Minas Gerais, o casal Daniel e Waneska Velloso, da Santec, empresa certificadora de Pernambuco, foi a Verona checar normas de importação, já que a partir de 2004 a Europa só comprará frutas com rastreabilidade assegurada. 'Temos que nos organizar para atender essas exigências', disse ele. A Fieragricola 2004 será realizada de 3 a 7 de março, com dois destaques, além dos alimentos: a exposição de máquinas agrícolas, como acontece nos anos pares, e a conferência mundial da raça bruna, gado bovino típico do país.


Terra da promissão


TEXTO JOSÉ AUGUSTO BEZERRA*

   Convidada pela Câmara Ítalo-Brasileira de São Paulo que, ao lado das Câmaras de Minas Gerais, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul, representa no Brasil o Ente Fieri di Verona, a delegação baiana participou pela primeira vez de uma feira internacional. O resultado, segundo seus integrantes - Mauro Bannach, Kunikazu Ninomiya, Kiyoshi Ishida, Pedro Hugo Borre, Shuichi Hayashi e Nicanor Soares Coelho (na foto abaixo, ao lado de Maria Eugênia Farina, da Câmara de São Paulo) -, não poderia ser melhor. 'Uma coisa é ouvir dizer; outra é ver de perto e, pelo que vi aqui (nos pavilhões da Veronafieri e pontos de venda da cidade), temos muito o que fazer no Brasil', disse Ninomiya, reportando-se à qualidade e apresentação dos produtos, à organização das cadeias produtivas e sistemas de comercialização.

   Para quem cultiva hortaliças, legumes e frutas e cria gado neste vasto platô do oeste da Bahia, de grande beleza natural e em grande parte ainda inexplorado, onde, em alguns recantos, a luz não chegou, a distância para o campo italiano é astronômica. No Vêneto, as propriedades são pequenas e altamente tecnificadas, o mercado está organizado, a distribuição é eficiente, os consumidores sabem o que estão comprando e de onde vêm os alimentos. Os produtores têm muita força, ao contrário do que ocorre no Brasil. Reúnem-se em sindicatos, associações, cooperativas, federações. A Confederação Italiana de Agricultura é composta por 882 mil associados, representando 1,5 milhão de propriedades rurais.

   Na Chapada Diamantina, as fazendas são imensas. Pedro Borre, agropecuarista no município de Ibicoara, têm 1.200 hectares de batata, 200 de cebola e 1.500 cabeças de gado de corte. Ali, a exemplo do que ocorre em boa parte do país, os produtores rurais são desunidos, a distribuição é ineficaz, o mercado, oscilante e a comercialização, precária. Os agricultores vivem à mercê dos supermercados e o brasileiro, de maneira geral, não sabe de onde vêm o alimento. Porém, a região apresenta vantagem incontestável sobre os campos agrícolas europeus. Devido a condições específicas de clima, solo, umidade e altitude, todos plantam e colhem 12 meses ao ano. Não param no inverno, como acontece na Itália, e assim podem se colocar como fornecedores privilegiados.

   Ishida acha que poderiam exportar, dada a qualidade da produção e a tecnologia empregada. Ele admite, no entanto, que não tem condições de garantir fornecimento. Falta organizar a cadeia produtiva. Os objetivos principais da delegação em Verona foram conhecimento, prospecção do mercado e estabelecimento de contatos nas áreas de produção e comercialização, visando negócios futuros através de parcerias. 'Essa viagem nos mostrou o caminho. Vamos atrás dele', concluiu.


Em busca de proteção

TEXTO JOSÉ AUGUSTO BEZERRA*

   Uma das novidades da Fieragricola 2003, o salão do queijo serviu de palco para debates sobre uso indevido de marcas, pesadelo recorrente no país em função do prestígio de seus produtos no mercado mundial. A Itália faz queijos famosos como pecorino, grana e parmigiano e outros de grande aceitação, como monterobiglio (da região do Piemonte), fodom (Vêneto), Bazzotto (Marche), giuncatella (Abruzzo), odisseo (Calábria) e piacentinu (Sicilia). O país têm 30 queijos DOP - Denominação de Origem Protegida, reconhecidos pela União Européia, e uma produção DOP de 400 mil toneladas ao ano, o dobro da francesa.

   O parmigiano reggiano, da região de Parma, é o queijo mais 'copiado' no mundo. É feito sob o nome de parmesão no Brasil, regianito na Argentina, parmesan nos Estados Unidos, Canadá, Austrália, Japão etc. Não deveria, segundo os italianos, porque atende denominação de origem. Indignados, os produtores locais estão discutindo medidas legais para coibir a apropriação.

*JOSÉ AUGUSTO BEZERRA viajou a convite das Câmaras Ítalo-Brasileiras

Globo Rural - Edição 216)

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