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  A CULINÁRIA ITALIANA

Os namorados e os beijos de chocolate


Baci di Dama

 

J.A.DIAS LOPES
Especial para o Estado

   O homem e a mulher sempre encontrarão motivos para se amar – e, no relacionamento entre eles, o beijo continuará a ser o selo de aproximação. Quando duas pessoas encostam os lábios, atiçam os sentidos. "Dá-me cem beijos, mil beijos e ainda cem beijos, e outros mil e ainda cem...", pediu o latino Catulo (c. 84-54 a.C.), em derramado poema lírico à romana Clódia, uma mulher tão livre de costumes como de espírito.

   Todos os amantes continuaram a fazer o mesmo. Sigmund Freud (1856-1939), fundador da psicanálise, afirmava que o beijo reproduz o gesto do bebê sugando o seio da mãe. Inconscientemente, homens e mulheres procurariam uns nos outros a mesma gratificação oral. Não por acaso, os casais apaixonados também exercitam juntos o prazer da gula. Em datas particulares, como por exemplo o Dia dos Namorados, sentam- se à mesa e trocam presentes, sobretudo doces à base de chocolate, ingrediente teoricamente estimulante do interesse sexual.

   A História avaliza a crença. Antes de se entregar ao harém, Montezuma II (1466-1520), último imperador asteca do México, consumia chocolate derretido em água. O aventureiro e sedutor veneziano Casanova (1725-1798) chamou-o de "elixir do amor". O libertino francês Marquês de Sade (1740-1814) misturou-o com cantárida – inseto largamente usado na medicina antiga –, enlouquecendo os protagonistas de uma novela obscena. Os confeiteiros italianos foram os primeiros a explorar comercialmente o conluio dos doces com o amor.

   Na região do Piemonte, desenvolveram uma especialidade bastante ilustrativa, além de popular. Chama-se Baci di Dama (Beijos de Dama). É um docinho elaborado com amêndoas descascadas e pisadas no almofariz, açúcar, farinha de trigo, manteiga, leite e casca ralada de limão. Transforma-se a massa em pequenos discos abaulados, assados no forno. Depois de frios, são unidos dois a dois, pela base, com chocolate derretido ou geléia. Há duas versões para o aparecimento desses docinhos, ambas relacionadas ao amor. A primeira sustenta terem sido desenvolvidos por um confeiteiro piemontês, para acompanhar uma carta à namorada. "Os docinhos reúnem todos os elementos simbólicos do beijo real: a forma, pequena e graciosa, e os ingredientes que se desmancham na boca, proporcionando um instante de beatitude", observou Rosanna ErcoleMellone, em artigo publicado na revista italiana Verde Oggi (R.C.S. Periodici,Milão, fevereiro de 2001).

   A segunda versão foi encampada pela Grande Enciclopedia Illustrata della Gastronomia (Selezione dal Reader’s Digest, Milão, 2000). Informa que os Baci di Dama foram denominados assim em virtude da pequena dimensão, que torna possível saboreá- los com um pequeno movimento dos lábios, semelhante ao beijo. Outros docinhos regionais ostentam nomes semelhantes. Conforme os ingredientes e a cidade natal, intitulam-se Baci di Sassello, di Cherasco, di Strega, al Barolo, al Moscato ou alla Crema di Marroni.

   Os mais conhecidos fora da Itália, porém, são bombons de marca. Quem não conhece os Baci Perugina, preparados com chocolate escuro e recheados com um grão de avelã? Existem desde 1922. Foram criados na cidade medieval de Perúgia, na Úmbria, por uma indústria que hoje pertence à Nestlé, mas cujo fundador se chamava Francesco Buitoni e integrava a célebre família produtora de massas.Os Baci Perugina têm sido vendidos internacionalmente como símbolo de amor, ajudados por uma vitoriosa jogada de marketing: sob o papel aluminizado, com estrelinhas azuis, que reveste cada bombom, há um bilhetinho com uma frase inspirada.

   São aforismos, provérbios, reflexões banais ou pensamentos profundos A maioria fala de amor. O beijo é várias vezes citado. Algumas palavras estão vetadas. Jamais se menciona a morte, por exemplo. Os bilhetinhos dos Baci Perugina constituem objeto de culto e coleção. Chegam a fanatizar pessoas. Alessandra Miglio, uma moça que vive em Ostia, perto de Roma, e trabalha na Telecom, é um exemplo. Seu arquivo de bilhetinhos foi catalogado para entrar num site. No ano passado, reunia 111 frases deixadas por poetas, 104 por escritores, 86 por anônimos, 18 por filósofos, 18 por autores vários, 16 eram provérbios e 9 cantos. Os autores famosos vão de Catulo a Kant, de Doris Lessing a Prevert, de Ovídio a Dante, de Wagner a Proust, de Shakespeare a Fernando Pessoa, de Goethe a Leopardi. "Há15 anos, ou melhor, desde a adolescência, guardo os bilhetinhos dos bombons saboreados e os dos amigos que iam jogá-los fora", diz ela. "Não sou fanática pela literatura, simplesmente me considero uma romântica."

   Eis algumas pérolas do acervo de Alessandra: "O amor e a tosse não podem ser escondidos" (Ovídio); "O coração tem razões que a própria razão desconhece" (Pascal); "Não existe uma virtude tão grande que possa resistir à tentação" (Kant). "O amor é cego, mas enxerga longe" (provérbio popular); "É mais fácil dar um beijo do que esquecê-lo" (anônimo). A empresa fabricante dos Baci Perugina empreende diversas ações para reforçar a aura romântica de seu chocolate famoso. Nos anos 60, lançou a Festa dos Namorados. Além disso, passou a exibir nas caixas de bombom o quadro O Beijo, do pintor romântico Francesco Hayez (1791-1882). Já patrocinou exposições de quadros com o mesmo tema, assinados por diferentes autores. A companhia aérea Alitalia participou da campanha. Há alguns anos, pintou um avião com as cores da embalagem dos Baci Perugina. Finalmente, em 1999, a empresa fabricante exibiu em Perúgia o maior bombom do mundo, pesando 400 quilos, saboreado festivamente por 28 mil pessoas. É tão íntima a associação de seu produto com o amor que, no dizer de um humorista da televisão italiana, "os outros baci viraram bicotinhas".

   Nada mau para uma indústria que, embora seja uma das maiores do gênero na Europa, ao ser fundada em 1907 se limitava a produzir amêndoas açucaradas. Como diz um dos bilhetinhos acoplados aos Baci Perugina, de autor anônimo, "o amor geralmente produz bons frutos".


Receita

Ingredientes 300 g de amêndoas Raspas de meio limão 70 g de farinha de trigo 220 g de açúcar 60 g demanteiga 1/2 litro de leite 200 g de chocolate de cobertura para derreter Farinha de trigo para polvilhar e manteiga para untar

Preparo Levar ao fogo uma panela com água. Assim que ferver, juntar as amêndoas e deixá-las por uns três minutos na água. Escorrer as amêndoas, retirar a pele e levar ao forno baixo, apenas para secarem. Cuidar para não tostarem no forno. Triturar as amêndoas num pilão ou no mixer. Numa tigela, misturar as amêndoas com as raspas de limão e os demais ingredientes (com exceção do chocolate), até obter um composto homogêneo e liso. Com essa massa, moldar pequenos discos abaulados e polvilhar levemente com farinha de trigo. Colocar num tabuleiro untado com manteiga e levar ao forno preaquecido a 160°C, por cerca de 15 minutos. Retirar do forno e deixar esfriar. Picar o chocolate e derreter em banho-maria, em fogo baixo, mexendo sempre. Unir os beijos de dama dois a dois, pela base, usando uma leve camada do chocolate derretido ainda morno. Servir frio. Dica: o chocolate derretido pode ser substituído por geléia.

O Estado de S. Paulo)


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