
Ana Lucia Azevedo
O amor é imortal. Pode sobreviver a tudo,
até mesmo a cataclismos e ao passar dos milênios. Há um lugar em que essa máxima, já
tão clichê, se concretiza. É Pompéia, na Itália. A fúria do vulcão Vesúvio selou o
destino da cidade há dois mil anos mas também eternizou sob cinzas e lava as paixões de
seus habitantes.
As histórias de amor dos homens e mulheres de Pompéia são mais que
lembranças. Estão gravadas em pedra, imutáveis. A declaração de um certo Marcos à
sua amada Espedusa ainda pode ser lida com nitidez. Assim, como o desesperado pedido de
Sucesso pelo amor de Híris. Marcos, Espedusa, Híris, Sucesso e tantos outros tiveram
suas vidas destruídas pelo vulcão. Mas continuam a ser personagens de romance, cujo
estudo dá novas cores à vida diária da Roma antiga.
O amor em Pompéia está em grafites do latim graphium , um
instrumento usado para fazer inscrições em paredes. Há centenas de grafites amorosos
por toda cidade, cuja protetora não era outra senão Vênus, a deusa do amor.
Longe de qualquer parentesco com as pichações que sujam as cidades
modernas, os grafites de Pompéia eram o jornal da cidade. Tinham de tudo, de críticas a
políticos a brigas de vizinhos e versos românticos. Foi nesses últimos que a
historiadora Lourdes Gazarini Conde Feitosa encontrou informações para sua tese de
doutorado na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Lourdes investigou as relações amorosas dos moradores de Pompéia para
estudar o povo romano. Não a rica elite, mas a miríade anônima de trabalhadores,
escravos, libertos e estrangeiros.
A maioria das informações sobre a história social da Roma antiga
diz respeito às elites, aos ricos e poderosos. Eles escreviam ou eram o tema dos relatos.
O povo romano sempre foi um ilustre desconhecido diz Lourdes, que baseou seu
trabalho no Corpus Inscriptionum Latinarum, uma compilação dos grafites
pompeianos, já que muitos dos grafites foram removidos para serem preservados.
O povo se expressava em grafites e em Pompéia a mesma tragédia que arrasou
a cidade congelou no tempo dramas e alegrias cotidianas de comerciantes, taberneiros,
advogados, soldados e tantos outros. Conquistada por Roma em 80 a.C., Pompéia ainda
guardava muito da cultura osca (seu povo original) e era um lugar de passagem de gregos,
judeus, árabes e outros povos. Muitos deles exprimiram nas paredes o que lhes dizia o
coração.
Foi difícil traduzir os grafites porque muitos misturavam o latim
vulgar, mais difícil de traduzir, com o osco, a língua original de Pompéia
observa Lourdes, que explica que os grafites datam em sua maioria do período entre os
anos 62 e 79, quando a cidade foi sepultada pelo Vesúvio para só ser redescoberta no
século XVIII.
Imaginamos que os grafites datam do período posterior a 62 porque naquele
ano houve um forte terremoto, que destruiu muita coisa comenta a pesquisadora.
A vida amorosa dos romanos sempre foi estereotipada. Ora é retratada como
devassa, ora como casta.
Isso podia valer para as elites em determinados momentos de Roma
esclarece Lourdes.
Para o povo, verificou ela, a história era outra. E a maior surpresa foi
descobrir que em se tratando de amor, os pompeianos não eram diferentes do que hoje
consideramos corriqueiro.
É complicado fazer esse tipo de comparação porque se tratam de
épocas e valores diferentes. Mas, sim, de certa forma, eles amavam como nós diz.
O estudo, apoiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa de São Paulo
(Fapesp), deu às mulheres de Pompéia um lugar menos submisso do que o imaginado para as
romanas de sua época. Muitas das mensagens algumas delas convites sedutores
foram deixadas por mulheres.
O estudo sugere que entre o povo havia mais igualdade entre os sexos
frisa Lourdes, que se prepara para dar continuidade à pesquisa. Material não
faltará, pois um terço da cidade ainda precisa ser escavado.
(©
O Globo On Line)
O fim trágico da cidade
Aristocratas romanos e escravos estrangeiros, todos tiveram o mesmo fim no
trágico agosto de 79, quando o Vesúvio explodiu numa de suas mais terríveis erupções.
Na época, Pompéia tinha entre 15 mil e 20 mil habitantes e pesquisadores acreditam que
inicialmente nem todos levaram os primeiros alertas do vulcão a sério. Terremotos e
erupções menores do Vesúvio já faziam parte da história da cidade. Mas em 24 de
agosto de 79, uma chuva de cinzas e pedra-pomes e sucessivos tremores transformaram o dia
em noite e destruíram muitas casas.
Foi apenas o início. Na manhã do dia 25, quando a cidade já estava sob
quase dois metros de entulho vulcânico, o Vesúvio despejou toda a sua fúria em forma de
fluxo piroclástico, ou nuvem ardente: um jato de gases quentes, a uma temperatura de 600
graus Celsius. A nuvem varreu Pompéia, Herculano e uma área de quilômetros em volta do
vulcão. Moradores em fuga foram mortos por asfixia e queimaduras. Outros sufocaram ainda
em casa.
Uma nova nuvem ardente no final daquele dia matou os que haviam sobrevivido
à primeira e enterrou Pompéia sob quatro metros de cinzas e pedras.
(©
O Globo On Line)
A paixão expressa nas
paredes de Pompéia |
CONSELHOS
Viva quem ama,morra quem nãosabe amar! Morraduas vezes maisquem proíbe o
amor!
Se alguém aquirepreender osenamorados, que faça também cessar os ventos e proíba
correrem as águas de uma fonte
Quem ama não deve banhar-se em fontes quentes, pois ninguém que foi escaldado pode
amar as chamas
FIDELIDADE
Ametusto não vive sem a sua Valentina
Víbio Restituto aqui dormiu sozinho e lembrou-se ardentemente de sua amada
Urbana
Segundo com Primigênia, em comum acordo
Balbo e Fortunata, os dois esposos
Lúcio Clódio Varo e sua mulher Pelagia
Estáfilo aqui com Quieta
Aqui habitamos. Que os deuses nos façam felizes
A Dáfnico, com sua querida Felícula, deseja isto: Bem a Dáfnico, bem a Felícula.
Que ambos tenham êxito
AMOR NÃO CORRESPONDIDO
O tecelão Sucesso ama a escrava taberneira Híris, a que não quer saber dele, mas
ele pede que ela tenha dó dele. Responde, rival. Saudações. Intervém porque é um
invejoso! Não queira bancar o engraçadinho, seu mau caráter galanteador!
Marcelo ama Prenestina e não é correspondido
CITAÇÃO DE OVÍDIO
Todo enamorado é um soldado!
SÚPLICA
Secundo a sua querida Prima, uma saudação cordial. Peço, senhora, me ame!
A minha querida Grata, com felicidade eterna. Te peço, senhora minha, por Vênus,
que você não se esqueça de mim. Me tenha sempre em teus pensamentos
MULHERES APAIXONADAS
Digo a você: desejo teu doce vinho e desejo muito. Colpurnia te diz.
Saudações!
Rômula, aqui, com seu querido Estáfilo, com calma
Vênus, efetivamente, é uma desencaminhadora porque deseja aquele que é do meu
próprio sangue, e provocará tumulto nos caminhos; que ele escolha bem por si mesmo para
navegar com êxito, o que também deseja sua amada Arione
Mete Atelana, de Comínio, ama Cresto. Que Vênus pompeiana seja propícia no
coração de ambos e que sempre vivam em harmonia
DECLARAÇÕES
Se tem alguém que não viu a Vênus que pintou Apeles, que olhe a minha garota: é
tão bonita quanto ela!
Élio Magno saúde a sua amada Plotila
Marcos ama Espedusa
(©
O Globo On Line) |
Um vinho com o sabor do
império romano |
Produtores da histórica Pompéia conseguiram recriar a bebida
produzida na cidade antes da sua destruição pela erupção do Vesúvio
Beber um vinho igual ao que os
antigos romanos consumiam se tornou uma realidade nos dias de hoje. Quase dois mil anos
depois que o vulcão Vesúvio cobriu de fogo e cinzas Pompéia, a histórica cidade está
recuperando sua tradição na produção da bebida.
Os vinicultores locais apresentaram
recentemente um vinho produzido com as uvas nativas, cultivadas de acordo com as técnicas
usadas nos vinhedos de Pompéia antes da erupção do Vesúvio em 79 d.C., que acabou com
a vida daquela cidade.
"O mundo antigo não era feito só de estátuas e objetos que se vê
nos museus.
Era constituído de todas as facetas da vida diária, e o vinho era uma
das mais importantes", disse Pietro Giovanni Guzzo, diretor arqueológico de
Pompéia.
O vinho produzido na cidade era vendido por todo o império romano.
Estudos arqueológicos e biológicos, entre eles de vestígios deixados no solo pelas
raízes das parreiras, permitiram aos produtores modernos identificar onde se localizavam
os vinhedos e que tipo de uvas eram cultivadas.
Os afrescos e mosaicos que adornam muitas das casas de Pompéia também
forneceram importantes informações sobre os antigos vinhedos, com imagens de cachos de
uvas.
Com base nesses achados, de um plantio experimental, realizado em 2001 com
oito tipos diferentes de uva, foram produzidas 1.721 garrafas de um vinho tinto, chamado
de Villa dei Misteri, nome de uma das casas com afrescos mais famosas de Pompéia.
O vinho será leiloado em Roma no final deste mês e o dinheiro arrecadado
será usado para financiar a restauração de uma antiga vinícola em um dos vinhedos
recriados.
Quanto ao sabor "é um vinho recém-nascido e precisa ser
aperfeiçoado", disse Carla Capalbo, da revista especializada na bebida, Decantier.
"Mas definitivamente tem personalidade. Pode-se saborear os elementos do terreno e a
incomum variedade de uvas. Encontraram o equilíbrio entre o antigo e o moderno."
(©
Jornal da Tarde) |
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