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"Jeanne
Hebuterne", pintura de Modigliani que está na retrospectiva do
artista no Museu Judaico de Nova York |
Em retrospectiva, Museu Judaico de Nova York tenta desvincular artista
italiano de sua imagem de boêmio
RAFAEL CARIELLO
DE NOVA YORK
Há uns dez dias, no Museu
Judaico de Nova York, era gente para todo lado. Na fila, para assistir à
exposição de Modigliani -ela dobrava a esquina meia hora antes da
abertura dos portões, quando a reportagem da Folha chegou ao local, numa
manhã quente de domingo-, e, lá dentro, nas telas do pintor.
É essa "preocupação singular"
do italiano Amedeo Modigliani (1884-1920) com os retratos que a
exposição "Além do Mito" -até setembro no encontro da Quinta avenida com
a rua 92- pretende "repensar".
Num texto na parede de entrada
da mostra, a primeira grande retrospectiva do artista nos últimos 50
anos em Nova York, o curador Mason Klein expõe a tese que motiva a
reunião de cerca de cem trabalhos de Modigliani.
Em primeiro lugar, o que
justifica o título da exposição, trata-se de desvincular as obras do
"mito do artista boêmio, consolado por vinho e drogas", que viveu sob os
efeitos da pobreza e de uma saúde cronicamente frágil.
A outra pretensão é, ao
contrário, vincular a "ambigüidade da identidade", uma obsessão do
artista -o encontro e o conflito do que há de universal na figura humana
com a individualidade de cada pessoa retratada-, com sua condição de
judeu em Paris no início do século 20.
Segundo Klein, Modigliani
viveu "a experiência única do anonimato étnico", por ser mais
identificado como italiano do que como judeu. Ao mesmo tempo, escreve o
curador, o artista fazia questão de se apresentar como tal quando via
sinais de anti-semitismo em seus interlocutores.
A primeira é fácil. As
turbulências da vida parecem todas domadas quando se está diante de um
quadro como o de "Paulette Jourdain". Os cabelos pretos, elegantemente
presos, a figura alongada -marca do estilo de Modigliani-, as mãos
unidas, repousadas sobre o vestido escuro. O laranja do fundo dá leveza
ao conjunto.
Como em muitas obras do
pintor, há serenidade e sobriedade na sra. Jourdain. O alongado das
figuras lhes dá um ar aristocrático, mas nunca opulento. Os vestidos ou
os ternos são sempre muito simples e elegantes, o retrato é
completamente concentrado na pessoa, não há objetos que elas possam
possuir representados -é como se fosse preciso ser pobre para ser
verdadeiramente aristocrático.
"Jeanne Hebuterne", também na
exposição, usa uma camisa regata. Podemos ver o sovaco da moça, que
apoia um dedo contra a bochecha -há um ar "mediterrâneo" nisso, como na
mistura de frescor e solenidade presente numa refeição entre italianos.
A segunda parte da tese da
exposição é iluminadora quando ajuda a entender o conflito entre
universalidade e identidade nas figuras retratadas. Ficamos sabendo que
o fato de ter começado como escultor, antes de pintor, "encorajou"
Modigliani "a usar a linguagem universal da geometria para as
necessidades específicas da pintura" -e há aí, na decomposição da imagem
em formas geométricas, algum parentesco artístico com seus
contemporâneos cubistas.
"Dentro de sua universalidade
[da geometria], o artista apresenta a personalidade única do indivíduo",
está dito, numa das paredes do museu. E quem há de discordar que há um
traço de pedra na sobriedade dos rostos pintados por ele?
Para o curador, essa
"ambigüidade da identidade" nos retratos de pessoas com olhos vazados,
inteiramente azuis ou cinzas, espelha a "não reconhecida, mas indelével,
herança judaica" do artista.
Parece provável e é coerente
com certa crítica americana que parte da condição étnica ou de gênero do
autor para compreender a obra. Mas talvez falhe ao não conseguir fazer o
que o próprio Modigliani realizou, ou seja, conjugar identidade e
universalidade.
(©
Folha de S. Paulo)
Masp e MAC abrigam italiano em SP
FABIO CYPRIANO
DA REPORTAGEM LOCAL
São Paulo também tem
Modigliani em exibição permanente na coleção de dois museus da capital,
o Museu de Arte de São Paulo (Masp) e o Museu de Arte Contemporânea da
USP (MAC).
O único auto-retrato do
artista pertence ao MAC, graças à doação de Ciccillo Matarazzo e Yolanda
Penteado. Conta-se no Masp que, quando Assis Chateaubriand, o criador do
museu, soube que Ciccillo havia dado de presente a Yolanda o tal
auto-retrato, mandou que Pietro Maria Bardi, o então curador do museu,
providenciasse a compra de cinco quadros do artista, uma rivalidade
bastante produtiva para o país.
A história é contada como
lenda no museu, mas o Masp tem seis obras do italiano. Uma delas,
"Retrato de Leopold Zborowski" (de 1916 a 1919), está na exposição em
Nova York, mas quatro estão expostas na coleção permanente do museu.
Entre elas, "Lunia Czechowska", um retrato que até 2003 pensava-se ser
de Madame Zborowska. A obra, emprestada a mostra sobre Modigliani em
Milão, em 2003, retornou de lá, graças aos pesquisadores que organizaram
a exposição, com a correta identificação do trabalho.
Recentemente, a biblioteca do
Masp recebeu uma biografia do artista, considerada a mais completa:
trata-se de "Amedeo Modigliani 1884-1920", de Christian Parisot, da
editora italiana Canale Arte. O local possui ainda 44 livros sobre o
italiano.
MAC CAMPUS. Onde: r. da Reitoria, 160, Cidade
Universitária, SP, tel. 0/xx/11/ 3091-3327. Quando: de ter. a sex., das
10h às 19h; sáb. e dom., das 10h às 16h. Quanto: entrada franca.
MASP. Onde: av. Paulista, 1.578, SP, tel. 0/xx/11/251-5644.
Quando: de ter. a dom., das 11h às 18h. Quanto: R$ 10.
(©
Folha de S. Paulo)
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