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Antonioni traduz mal-estar moderno


 

 

TIAGO MATA MACHADO
CRÍTICO DA FOLHA

   Filmando um eclipse, em Florença, em 1962, Antonioni começava a entender o filme que estava preparando: "Tudo o que consigo pensar é que, durante o eclipse, provavelmente até os sentimentos ficarão parados".

   O filme, lançado com extras parcos, mas pontuais (a exemplo dessas "palavras do diretor"), acabou se chamando "O Eclipse". Uma obra fundada sobre uma elipse: após uma noite de discussão e procura, de esgotamento, temos aqui um casal totalmente vazio (de palavras e sentimentos), imerso na zona nebulosa que é o inferno de toda relação, a incerteza ou a insuficiência do amor.

   Espaços vazios de acontecimentos, casais vazios de sentimentos, habitados por esse vazio: Antonioni encerra sua chamada "Trilogia da Incomunicabilidade" mais ciente de estar lidando com os sintomas de um mal-estar da civilização. O que "O Eclipse" reafirma é que a enfermidade de Eros, o cansaço do amor, é uma doença própria da sociedade moderna. Seria preciso traduzir, portanto, de forma diversa o diálogo entre Vittoria (Monica Vitti) e sua vizinha africanista. O que quer dizer à vizinha não é que na Europa, ao contrário da África, "tudo é muito trabalhoso, inclusive o amor", como foi traduzido aqui. O que diz é: "Aqui, há um grande cansaço, inclusive no amor".

   A pequena comédia de seu velho namoro Vittoria troca pelo teatro grandiloqüente do jovem corretor ambicioso vivido por Alain Delon, mas seu tédio de espectadora continua quase o mesmo. Seu problema é já não conseguir estar no mundo senão como uma espectadora, mal que afeta, de resto, quase todas as heroínas (a Vitti de Antonioni, a Ingrid Bergman de Rossellini, a Anna Karina de Godard) do dito cinema moderno europeu. O vínculo entre o ser e o mundo se rompeu. E o vínculo entre as pessoas se fez mais frágil e inapreensível.

   "Gostaria de não amá-lo ou amá-lo muito melhor", diz Vittoria ao personagem de Delon. É o mais próximo que Antonioni chega dos versos de Dylan Thomas que pretendia pôr nos créditos iniciais: "Alguma certeza deve porém existir, se não a de amar bem, ao menos a de não amar".

   Delon, que só se deixa envolver depois de um momento de baixa e frustração na Bolsa de Valores, representa o homem moderno em sua vacuidade de espírito. Vittoria, a mulher moderna em seu infantilismo. Não é que Antonioni despreze a modernidade. A cada filme, é como se a modernidade e seus signos fizessem o cineasta reencontrar e voltar a perder de vista as suas questões pessoais.

   O Antonioni do final de "O Eclipse", perdido entre os hiatos arquitetônicos da cidade, nos faz lembrar o personagem de um milionário que, tendo acabado de perder uma fortuna, sai para espairecer, sentando-se para esboçar, num guardanapo, o desenho de um jarro de flores.

O Eclipse
    
Direção: Michelangelo Antonioni
Distribuidora: Versátil; R$ 45, em média

(© Folha de S. Paulo)


Versão completa e restaurada de um clássico

Eduardo Simões

   Longo, de ritmo lento, com locações de luxo (não são recriações em computador!), fotografia primorosa, figurino indicado ao Oscar e elenco internacional encabeçado por Helmut Berger, Silvana Mangano, Romy Schneider e Trevor Howard: “Ludwig” é um exemplo de filme que não se vê mais. Último da chamada trilogia alemã de Luchino Visconti (completada por “Os deuses malditos”, de 1969, e “Morte em Veneza”, de 1971), o filme dificilmente encontraria seu público mais de 30 anos depois de realizado — a produção é de 1972 — ao menos na tela grande.

   Já em DVD... A distribuidora Versátil acaba de colocar no mercado uma edição de luxo. São dois discos, com quase duas horas de extras, acompanhando uma versão de mais de quatro horas do filme, restaurada, fruto de uma ação entre amigos — todos integrantes da ficha técnica do filme — que em 1978 compraram os direitos, lançando o longa em 1983 com o corte desejado pelo diretor, morto em 1976.

Castelo na Baviera inspirou Walt Disney

   O melhor do lançamento da Versátil é o próprio filme, que acompanha a trajetória de Ludwig II, da sua coroação como rei da Baviera com menos de 20 anos, à sua morte, aos 40, em circunstâncias misteriosas: considerado mentalmente incapacitado, afastado do poder por conspiradores, Ludwig se suicidou, afogando-se num lago, segundo uma das versões.

   Não sem antes entrar para a História por duas vias com interseções: chamado de o “rei louco da Baviera”, Ludwig foi mecenas do compositor Richard Wagner, que, sob sua proteção, criou duas de suas mais importantes obras: “Tristão e Isolda” e “O anel do Nibelungo”. A ligação entre o rei e o compositor rendeu polêmica e gastos vultosos aos cofres de seu país, também esvaziados por outra excentricidade do regente: a construção de castelos de “contos de fada”, como Neuschwanstein, que inspirou Walt Disney na criação do castelo de Cinderela, na Disneylândia.

   O filme dá conta ainda da vida afetiva de Ludwig, que tinha uma espécie de paixão platônica pela prima Elizabeth, imperatriz da Áustria (Romy Schneider repete aqui o papel da série sobre “Sissi”, que lhe alçou à fama nos anos 50), e de sua homossexualidade: noivo de Sophie, irmã de Elizabeth, o rei teve casos com empregados e até com um ator, Joseph Kainz.

   Originalmente, “Ludwig” foi lançado com dois cortes: um exibido na Alemanha, com 137 minutos; e outro, mostrado internacionalmente, inclusive no Brasil (aqui se chamou “Ludwig — A paixão de um rei”), com aproximadamente três horas. Ambas as versões foram feitas à revelia de Visconti, que estava doente à época da estréia.

   Há também extras para todos os gostos: os que têm curiosidade por aspectos históricos sobre Ludwig podem ver um vídeo (lamentavelmente um tanto tosco, dos anos 80, dublado) sobre os castelos do rei, textos que se aprofundam na sua relação com Wagner etc. Ainda sobre este assunto, o DVD traz uma entrevista com o crítico de música João Marcos Coelho, que faz observações reveladoras sobre o mecenato de Ludwig e a música no filme de Visconti.

   Esse “material de apoio” é completado por um vídeo com bastidores do filme, outro sobre sua restauração, e um depoimento com o crítico de arte Antonio Gonçalves Filho sobre os quadros que inspiraram Visconti em “Ludwig”.

   Existe um porém: o DVD oferece duas opções de áudio, em alemão e em italiano. Isso era comum na época, quando a produção usava atores de várias nacionalidades (a voz de Helmut Berger em italiano, por exemplo, é dublada por Giancarlo Giannini). Fica tudo meio estranho para quem tenta acompanhar o que se diz e o que se ouve.

(© O Globo)


Para sempre Sissi

Em 1972, no lançamento de “Ludwig”, um grande chamariz do filme era a escalação de Romy Schneider para interpretar a imperatriz Elizabeth da Áustria.

   Austríaca, Romy já tinha feito cinco filmes na Alemanha quando, em 1955, no esplendor de seus 17 anos, estrelou “Sisssi”, uma biografia romanceada da imperatriz. Um “filme água-com-açúcar”, como se dizia na época. Foi um estouro mundial. O sucesso rendeu mais dois filmes dela com o personagem e abriu as portas do cinema do resto do planeta para a atriz.

   De início, ela repetiu o estilo edulcorado dos filmes alemães. Mas logo tornou-se requisitada por alguns dos cineastas mais criativos do período — René Clement, Visconti, Orson Welles, Joseph Losey... — e passou a rejeitar a Sissi do cinema alemão.

   A volta ao personagem, aos 34 anos, é um acontecimento. Da Sissi ingênua e romântica não sobrou nada. Em “Ludwig”, ela reaparece um pouco vulgar, calculista. Em comum, só a beleza, ainda estonteante, da atriz que ficou para sempre ligada a Sissi.

(© O Globo)


Quase tudo de Visconti em discos

   Com “Ludwig”, a distribuidora Versátil firma sua posição como a principal lançadora em DVD de filmes que, antigamente, chamavam-se “filmes de arte”. Só do italiano Luchino Visconti (1906/1976), um dos cineastas mais prestigiados do planeta nos anos 60 e 70, ela já pôs 12 títulos no mercado. Para uma filmografia de 17 títulos (o que inclui as três vezes em que o cineasta dirigiu curtas ou médias-metragens em produções divididas em episódios, outra moda do cinema daqueles tempos) é uma façanha e tanto.

   Oito destes títulos chegaram ao mercado em coleções. Cada coleção veio com quatro filmes. A primeira trazia “Obsessão”, de 1943; “A terra treme”; de 1948; “Belíssima”, de 1951; e “Rocco e seus irmãos”, de 1960. A segunda juntava “O inocente”, de 1976; “Violência e paixão”, de 1974; “Sedução da carne”, de 1954; e “Noites brancas”, de 1957.

   De forma avulsa, a Versátil fez chegar às locadoras e às lojas “Nó, as mulheres” (filme de 1953 que contém o curta-metragem “Anna Magnani”, de Visconti) e “Boccaccio’70” (o episódio “O trabalho” foi dirigido pelo cineasta). “O leopardo”, de 1963, foi lançado em julho do ano passado numa edição de luxo, com a versão completa do filme e duas horas e meia de extras.

   Os outros dois títulos da trilogia alemã, “Morte em Veneza”, de 1971, e “Os deuses malditos”, de 1969, foram lançados pela Warner. A Versátil ainda está negociando os direitos de dois longas-metragens do diretor: “Vagas estrelas da Ursa”, de 1965, e “O estrangeiro”, de 1967.

   Fica faltando só “A bruxa queimada viva”, episódio do filme “As bruxas”, de 1967.

(© O Globo)

Para saber mais sobre este assunto (arquivo ItaliaOggi):

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