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 Monica Bellucci fala sobre cena de "Irreversível"

Monica Bellucci em cenas dos filmes Irreversível e Lágrimas do Sol

   Comparada a Sophia Loren, nos seus 30 e poucos anos, a atriz Monica Bellucci fala sobre cena polêmica do no filme Irreversível

   Cannes - Comparada a Sophia Loren, nos seus 30 e poucos anos, a atriz Monica Bellucci é a última italiana a seduzir Hollywood. A morena dona de medidas invejáveis embelezou a continuação de Matrix, ao lado de Keanu Reeves, contracena com Bruce Willis no ainda inédito Lágrimas do Sol, e foi escolhida por Mel Gibson para viver Maria Madalena do recém-filmado The Passion. Beleza só é problema para quem se apóia unicamente nela, diz a atriz, que não tem medo de macular a imagem de estrela. No polêmico Irreversível a musa interpreta personagem que é brutalizada na trama. Sob a direção do francês Gaspar Noé, a ex-modelo ousa protagonizar uma cena perturbadora em passagem subterrânea de Paris, onde é estuprada e desfigurada em plano-sequência de 20 minutos. "Ninguém sai imune da sala de cinema". Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista concedida em Cannes.

Agência Estado - Depois de ser linchada em "Malena", você é violentada em "Irreversível"...

Monica Belluccci - Não sou masoquista, não (risos). Simplesmente aceito papéis degradantes com o intuito de denunciar a violência contra as mulheres. Não gosto de vê-las sendo tratadas como prostitutas. As mulheres são sempre vítimas nas mãos dos homens e a única maneira de abrir os olhos do mundo é levar a situação às últimas consequências.

A seqüência do estupro seguido de mutilação é difícil de assistir. Como foi rodá-la?

Ainda mais difícil. Minutos antes de filmar eu não tinha a menor idéia do que iria fazer. Mesmo assim, preferi não ensaiar o estupro para não perder o impacto. Só entrei na situação quando a câmera foi ligada. Confesso que fiquei ainda mais nervosa quando o ator que supostamente me violenta (Jo Prestia) começa a me espancar. Graças a Deus ele é um boxeador profissional, o que lhe garantiu o controle total na hora de dar socos e pontapés. Ele interrompia o movimento faltando um centímetro para me acertar.

A sequência foi realizada em uma única tomada?

De tão realista, as pessoas têm essa impressão. Mas nós fizemos seis tomadas. Por ser plano-sequência, eu ainda tinha de repetir tudo de uma só vez. Tinha de sair da casa, encontrar a prostituta na rua, descer as escadas, caminhar pela passagem subterrânea, testemunhar a briga e só depois ser atacada. Isso aumentava a angústia.

Como encarou a fria recepção em Cannes de "Irreversível"?

Eu me envolvi com o projeto justamente por acreditar no ponto de vista forte e particular do diretor Gaspar Noé. O filme é extremamente realista e violento, o que o torna obviamente difícil de digerir. Por gostar de obras como Saló ou 120 Dias de Sodoma, de Pasolini, encaro o cinema como uma forma de reflexão. E não apenas diversão. Só o fato de Irreversível ter convidado ao diálogo já me deixou satisfeita.

Com Hollywood a seus pés, pensa em redirecionar a carreira, priorizando os filmes mais comerciais?

Não. Isso nunca foi o meu objetivo. Eu aceitei atuar em The Matrix Reloaded porque sou fã dos irmãos Wachowsky, responsáveis pela franquia. Gosto muito de Ligadas pelo Desejo e do Matrix original.

Como foi contracenar com um astro como Bruce Willis em "Lágrimas do Sol" (com lançamento nos cinemas nacionais em outubro)"?

Foi maravilhoso descobrir que ele não é simplesmente o protagonista da série Duro de Matar. Willis é um ator que explora outras possibilidades cinematográficas, como Pulp Fiction – Tempo de Violência e Vida Bandida. Aceitei o papel não só pela chance de trabalhar com o ator, mas também com o diretor Antoine Fuqua (mais conhecido por Dia de Treinamento). Eu interpreto uma médica que convence Willis, chefe de uma operação militar, a salvar 70 refugiados na Nigéria.

Até que ponto a beleza pode restringir as escolhas de uma atriz no cinema?

A beleza só se torna um problema quando a atriz conta unicamente com ela na carreira. Se você for inteligente, pode usá-la a seu favor. Eu sempre me senti à vontade com a minha aparência. Não apenas porque me acho bonita, mas porque tive a sorte de ser muito amada. Sentir-se bem é um reflexo da sua vida interior. (Elaine Guerini)

(© estadao.com.br)

O reverso da moeda
BERNARDO CARVALHO

   Por muito pouco não deixei de assistir a "Irreversível", segundo longa-metragem do franco-argentino Gaspar Noé, que causou escândalo no Festival de Cannes, em 2002. Se dependesse das críticas (no roteiro da Ilustrada, o filme ganhou uma bola preta, de "péssimo"), eu não teria nem pensado em me submeter ao suplício. E ainda assim, alguma coisa recorrente no que eu lia me deixou com a pulga atrás da orelha. Havia um certo bom-mocismo, um julgamento moral que sempre me deixa desconfiado. Os críticos ficaram revoltados com a violência. Eu também. Mas o horror me levou a outras conclusões.

   Há alguns anos assisti ao primeiro longa-metragem de Gaspar Noé, "Seul Contre Tous", num festival no Porto. O ator principal, que também aparece na cena inicial de "Irreversível", estava entre os convidados do festival. Era um sujeito velho, gordo e feio. Para completar, interpretava no filme a figura desagradável de um açougueiro que mantinha uma relação brutal e sexualizada com o mundo -e com a filha deficiente.

   Quando os convidados do festival fizeram a visita indefectível a uma adega de vinhos do Porto, ficou patente o que até então me parecia inconcebível: o ator francês se mantinha à margem, constrangido, tratado com a reserva silenciosa de quem o identificava, entre risinhos e cochichos, ao personagem abjeto do filme.

   "Seul Contre Tous" era um filme desagradável e doentio sobretudo pela maneira como tratava a sexualidade. O mais perturbador era a impureza do bem e do mal convivendo numa zona indistinta. Em meio ao mais abjeto, continuava a haver desejo, um desejo que o espectador podia reconhecer, embora preferisse ridicularizá-lo. Afinal, o horror está dentro de cada um. É possível sublimá-lo, recalcá-lo, mas não dá para se livrar dele.

   Do que pude ler sobre "Irreversível", foi mais ou menos isso o que incomodou os críticos. Haveria no filme, segundo eles, uma violência gratuita e obscena, além de uma descrença no ser humano. O homem era apresentado como animal.

   Por mais horrorizado que eu tenha ficado, por maior que tenha sido o mal-estar provocado pelo filme, uma coisa me parece certa: a violência ali encenada não é gratuita nem aleatória. Ela é uma alegoria -e isso fica claro nem que seja pelo calculismo com que se alternam o naturalismo brutal de algumas sequências e a artificialidade de outras. A violência explícita de "Irreversível" não tem nada a ver com a simples exposição infantil e inconsequente da violência por boa parte do cinema atual. Ela fala do germe de horror que o espectador precisa manter adormecido dentro de si para poder viver em sociedade. A parte que ninguém quer ver. Nesse sentido, o filme poderia ser uma revisão de "O Médico e o Monstro" pela ótica do Marquês de Sade.

   "Irreversível" é narrado de trás para a frente. A história começa com dois amigos à procura de um homem num inferninho sadomasoquista do submundo gay (não faz sentido falar de homofobia a propósito de uma alegoria em que o horror e o desejo são os dois lados de uma mesma moeda -no filme, uma fronteira muito tênue separa as pulsões que se manifestam no amor ou no ódio, os opostos se tocam, o amor mais idílico pede a vingança mais odiosa, o homem que ama é o mesmo que mata). Os dois amigos querem se vingar do sujeito que estuprou a namorada de um deles, ex-mulher do outro. Em sucessivos flashbacks, o espectador é levado ao que provocou essa sede desesperada de vingança (a cena do estupro) e, em seguida, a todo o amor que a precedeu, até a imagem idílica de uma mulher deitada na relva, lendo um livro sobre a irreversibilidade do tempo.

   As representações de estupros sempre transmitem alguma coisa obscena e oportunista. Diante de uma encenação de estupro, nunca entendo por que a vítima não reage. Como é possível que não reaja, que não tenha forças para resistir? É um inconformismo um tanto infantil, uma vez que na realidade é assim que as coisas acontecem. A interminável cena de estupro de "Irreversível", entretanto, transfere sub-repticiamente a imobilidade da vítima para o espectador.

   Depois de alguns minutos diante do horror, me peguei balançando na cadeira como um doente mental sob efeito de medicamentos. E, de repente, a consciência da minha imobilidade de espectador diante de uma cena tão insuportável me igualou à vítima do estupro na tela. De alguma forma, o filme tinha conseguido despertar em mim a consciência da ambiguidade dos desejos e dos sentimentos. Eu estava sendo violentado. Então, por que não me levantava e ia embora? Por que continuava assistindo ao que pode haver de mais abominável? O quanto de estuprador pode haver em mim?

   É dessa ambiguidade que tratam os dois filmes de Gaspar Noé. E é por isso que eles são tão desagradáveis. Para além do que pode haver de apelativo e piegas em "Irreversível" (sobretudo o final), há nessa violência uma provocação que não é gratuita nem inconsequente nem simplesmente oportunista. E que desafia o bom moço a mostrar as pedras e os podres que ele também traz, como qualquer um, escondidos no bolso. Não por ser animal, mas justamente por ser humano.

Folha de S. Paulo)

 

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