Hugo Gonçalves
em Madrid
Bautista Molina partilhou um espaço de 50 metros quadrados com os seus
nove companheiros de pesca e os 51 imigrantes que encontrou à deriva no
Mediterrâneo - homens e mulheres que tentavam libertar-se da pobreza
africana e alcançar o sonho europeu. De onde se encontrava, e durante
cinco dias, Molina podia admirar a costa de Malta, país da União
Europeia que, quando soube o que transportava o pesqueiro espanhol,
enviou um barco-patrulha, a fim de impedir que atracasse.
Nas fotografias que o capitão do barco, José Durá, enviou à sua mulher,
via telemóvel, podia ver-se como os imigrantes se acomodavam entre
material de pesca, dormindo sobre sacos de plástico, ou como rodeavam
uma enorme travessa de esparguete, esticando os dedos para a comida.
Bautista Molina contou que pediu talheres, champô e comida, ao saber que
polícias espanhóis os visitariam, de forma a identificarem os
imigrantes: "Estas pobres pessoas não deveriam ter de comer com as mãos.
Temos uma máquina para fazer água potável, por isso podem lavar-se.
Estamos sempre disponíveis, se precisam de um copo de leite... Mas
estamos um pouco cansados." E quando uma rádio, por telefone, o
questionou sobre um possível arrependimento, respondeu: "Não ponham em
dúvida que o voltaríamos a fazer, uma ou cem vezes. Não se pode deixar
uma pessoa... Não queria levar o resto da minha vida a pensar que não
tinha feito a coisa certa."
Na manhã de ontem, as autoridades maltesas, informadas do estado de
saúde de alguns imigrantes, transferiram uma grávida, e uma mulher
doente, acompanhada pela filha, para um hospital. Também autorizaram a
entrada no barco de dois polícias espanhóis - sabe-se agora que 45
imigrantes são da Eritreia, cinco de Marrocos e um do Paquistão. O
Governo de Madrid tentou, junto de Malta, mas também da União Europeia,
encontrar uma solução para o problema. E ao fim da tarde os tripulantes
do pesqueiro foram informados de que os imigrantes poderiam desembarcar
hoje, por volta do meio--dia. Um avião irá transportá-los depois para
território espanhol.
Bernardino León, secretário de Estado dos Assuntos Exteriores de
Espanha, afirmara que, segundo a lei marítima, seria a Líbia, e depois
Malta, que deveriam receber os imigrantes. Mas o Governo maltês pôs
sempre a responsabilidade nos espanhóis, que os resgataram, e Bernardino
León acabou por dizer: "Por cima das considerações legais existe a
possibilidade de acolhermos alguns destes imigrantes", acrescentando que
o "carácter humanitário" é mais importante. Também o Alto-Comissariado
das Nações Unidas para os Refugiados, presidido por António Guterres,
pediu ao Governo de Malta para receber, ainda que de forma temporária,
os 51 imigrantes.
O carácter absurdo deste episódio - a teimosia dos malteses contra a boa
vontade da tripulação - tornou-o mais mediático, mas quase todos os dias
chegam a Espanha, ou são encontradas à deriva no Mediterrâneo,
embarcações com africanos. É rara a manhã em que um diário não traz pelo
menos uma pequena notícia sobre a captura de mais uma patera ou
cayuco - nomes dados aos barcos usados nas travessias. Num
fim-de-semana de Maio, chegaram às ilhas Canárias mil imigrantes. Ontem,
foi encontrada à deriva uma patera com 40 pessoas, entre as quais
um bebé, a dez milhas da costa da ilha de Fuerteventura. O bebé, doente,
foi transportado por um helicóptero, mas acabou por morrer. Os restantes
foram resgatados por um barco da marinha.
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