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Cesare Pavese é artesão metódico da poesia

07/03/2009

 

Crítica/"Trabalhar Cansa"

Autor de obras em prosa, italiano transforma intuição em produto ao tratar, com esforço classicista, de temas cotidianos

NOEMI JAFFE
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

O título do livro de poemas de Cesare Pavese, "Trabalhar Cansa", diz absolutamente tudo sobre os seus muitos significados. Em italiano, trabalhar é lavorare, que dá mais ainda do que trabalhar a ideia de um ofício operário, manual, exaustivo, caso destes poemas. Mas o correspondente em português, trabalhar, também é válido neste caso, pois se trata de um trabalho simultaneamente manual e mental.

Cansa é, da mesma maneira, uma palavra perfeita. Trabalhar cansa o fazedor/criador ao demandar tanto esforço; cansa (positivamente) o leitor, pela dificuldade em acompanhar o artesanato metódico dessa poesia; e é também uma poesia ela mesma cansada: da cidade, do tempo, da solidão.

Mas que não se entenda mal esse cansaço; para Cesare Pavese, como para muitos outros poetas, o tédio é um dos principais motores da criação. Maurício Santana Dias, em introdução minuciosa e esclarecedora -ele é também o responsável pela excelente tradução desta edição bilíngue-, conta que era preciso, para Pavese, "construir na arte e na vida, expulsar o voluptuoso da arte como da vida, ser tragicamente", e que o que parecia mais detestável ao poeta era a "arte pela arte".

Inspiração e condensação

Daí o trabalho exaustivo de transformar a intuição em produto, a inspiração em condensação. Apesar de tratar exclusivamente de temas cotidianos, parte de seu projeto poético -prostitutas, bêbados, camponeses, a colina, as meninas, o pai, as caminhadas-, e de manter rigorosamente a língua desse homem-ninguém, seu esforço é o mesmo de um classicista, criando uma métrica rigorosa e melodiosa (embora sem rimas) e evitando qualquer tipo de transcendência ou idealismo.

Como se estivéssemos diante de um João Cabral que fosse íntimo de suas personagens, convivendo com elas, ou de um Francis Ponge cujo objeto fosse a própria experiência de enrolar um cigarro. Tudo isso sem deixar de lado um "ideário democrático" e uma ética estritamente colada ao homem comum. Assim, há o eremita que tem a cor dos freixos queimados, a pouca ou nenhuma fala ("[...] Quando a água se estende na noite, lavada/ e difusa no nada, o amigo a contempla/ e eu contemplo o amigo e nenhum dos dois fala [...]"), uma mulher arrastando seu marido morto sob a lua e as estrelas, que "têm vida, mas não valem sequer as cerejas que como sozinho".

Plenitude entediada

Cesare Pavese consegue (com muito trabalho) reproduzir poeticamente o que "fazem as cabras", puxando "simplesmente as ervinhas mais verdes" e as casas, "que estão firmes, plantadas no piso". Talvez não haja mesmo, em poesia, dificuldade maior do que não falar sobre a coisa, mas falar a coisa, em sua plenitude entediada de simplesmente ser o que é, sem lirismo que a "melhore".

TRABALHAR CANSA
Autor: Cesare Pavese
Tradução: Maurício Santana Dias (edição bilíngue)
Editora: Cosac Naify/7Letras
Quanto: R$ 59 (400 págs.)
Avaliação: ótimo

Saiba+ sobre Cesare Pave

(© Folha de S. Paulo) 


LIVROS

Crítica/"La Forteresse"

Sai na França roteiro que previa papel para Antonioni


Robbe-Grillet (acima) e Antonioni

Texto escrito por Robbe-Grillet, que se concentra em diálogos, é boa leitura

ALCINO LEITE NETO
ENVIADO ESPECIAL A PARIS

A história do cinema é também um vasto cemitério de obras abortadas, sobretudo por dificuldades financeiras e de produção. Nunca assistiremos à versão cinematográfica que Eisenstein sonhou realizar de "O Capital", de Marx, nem a adaptação de "Em Busca do Tempo Perdido" pretendida por Luchino Visconti. E não veremos jamais o filme que o escritor e diretor Alain Robbe-Grillet (1922-2008) planejou durante anos para ter como intérprete principal o cineasta Michelangelo Antonioni (1912-2007).

Não veremos, mas podemos ao menos ler o roteiro de Robbe-Grillet, "La Forteresse - Scénario pour Michelangelo Antonioni" (a fortaleza - roteiro para Michelangelo Antonioni), publicado na França há poucas semanas. Ler roteiros costuma ser uma coisa maçante, mas não neste caso. O escritor dispensa quase toda indicação técnica e se concentra na história e no diálogo. Uma vez iniciada a leitura, não paramos mais, pois é um intrigante suspense, feito de movimentos labirínticos, de jogos de espelho e personagens enigmáticos e perversos.

Além do roteiro, que Robbe-Grillet ainda pretendia aprimorar, o livro traz duas sinopses feitas pelo escritor para "vender" o filme aos produtores e o seu belo prefácio ao catálogo de uma exposição de desenhos de Antonioni, de 1970.

Romantismo gótico

Os dois se conheceram em 1961, quando Antonioni foi convidado para uma sessão privada de "O Ano Passado em Marienbad", o filme de Alain Resnais escrito por Robbe-Grillet. A ideia de realizar "A Fortaleza" só veio a luz em 1992, sete anos após o AVC que deixou o cineasta italiano semiparalítico e sem fala. Assim, a questão da mudez ocupa o centro da história, cujo personagem destinado a Antonioni seria o de um velho oficial altivo, Marcus, que perdeu a fala depois de uma batalha.

Mudo e alquebrado, ele vive numa fortaleza antiga, à beira do oceano, cercado de um grupo de soldados que aguardam a chegada de não se sabe quem. Na fortaleza, vivem ainda um médico sinistro, um capitão autoritário e uma enfermeira, idêntica à filha do velho Marcus, morta anos antes. O passado amarra uns aos outros, e todos parecem encarcerados num inefável mistério, do qual o incesto é só uma das chaves.

Durante quase uma década, o escritor francês tentou produzir o filme, que ele previa fazer com toques expressionistas, uma ambientação próxima do "romantismo gótico" e certa atmosfera anacrônica. As dificuldades se avolumaram, e tanto Robbe-Grillet quanto Antonioni partiram para outros projetos. Foi uma pena. "A Fortaleza" teria sido com certeza um dos mais extraordinários e estranhos encontros promovidos pelo cinema.

LA FORTERESSE
Autor: Alain Robbe-Grillet
Editora: Les Éditions de Minuit (importado)
Quanto: 13 euros (cerca de R$ 39, mais taxas, na Amazon.fr; 118 págs.)
Avaliação: ótimo

(© Folha de S. Paulo) 

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