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Contos de Primo Levi refletem sobre o papel da testemunha

21/03/2009

Primo levi
 

Crítica/"A Chave Estrela"

ANDREA LOMBARDI
ESPECIAL PARA A FOLHA

"A Chave Estrela", de Primo Levi, narra as aventuras de Libertino Faussone, um montador de guindastes de grande porte (os Derricks), e seu interlocutor, um químico, que se dedica a escrever e cogita tornar-se exclusivamente escritor. O leitor vai logo reconhecer nesse último -que desempenha também o papel de narrador- um alter ego do próprio autor.

O tema do livro é um elogio do trabalho e um louvor à coragem, ao espírito de aventura do trabalhador manual, no ambiente da Moscou da década de 70, onde os dois se encontram, aguardando o resultado de uma controvérsia de trabalho.

Dos 14 contos, 11 giram em torno das aventuras pelo mundo de Faussone, e os restantes são dedicados a um caso estranho e inesperado que ocorreu com o narrador. O diálogo corre num estilo manso e repetitivo, como o funcionamento das máquinas operadas por Faussone, e relembra a fala dos personagens de J. Conrad e os diálogos de Italo Calvino em "As Cidades Invisíveis".

Estilo cristalino e preciso

Primo Levi é só aparentemente um escritor "fácil" e "transparente", embora ele tenha se envolvido numa polêmica com a obra de escritores como Kafka e Célan, que ele considerava "obscuros". A bela tradução de Maurício Santana Dias recria fluentemente seu estilo cristalino e preciso, com suas palavras inusuais e seus termos técnicos precisos. Naturalmente, é mais dura a tarefa de resgatar a presença constante do dialeto piemontês (os dois personagens são daquela região da Itália), que causa, mesmo no original italiano, estranheza ao leitor e que pode ser reencontrada em português em alguns momentos marcados em itálico no texto. Escrito em 1978, esse volume, que recebeu o prestigioso Prêmio Strega, tirou de Levi o rótulo de escritor unicamente autobiográfico. Tratam-se, porém, de relatos do trabalho, escritos em primeira pessoa; eles representam bem ou mal um testemunho do cotidiano.

Libertino Faussone traz no nome a profissão de fé do escritor. Por um lado o elogio da liberdade, pois ele conta que sua família queria chamá-lo Libero e não pôde, por causa da ditadura fascista. Por outro, no sobrenome Faussone, o "falso" está presente, pois "faus" em piemontês significa falso, uma problemática tematizada pelo narrador conradiano de Tufão, citado ao final do último conto. "A Chave Estrela" pode ser lido como uma espécie de manifesto em prol da liberdade conquistada por meio do trabalho.

Uma inversão ou redenção do nefasto bordão "o trabalho liberta", posto na entrada do campo de concentração de Auschwitz. Sendo assim, os contos reunidos configuram-se como reelaboração do passado e como uma nova reflexão sobre o papel da testemunha, enquanto sobrevivente e escritor. Assim, pode-se ler no conto "Tirésias" um aceno à problemática da culpa do sobrevivente em relação aos demais prisioneiros que "afogaram" (citando o livro de Primo Levi "Os Afogados e os Sobreviventes"): "Queria escrever histórias minhas até que eu esvaziasse o saco, e depois histórias dos outros mesmo que sejam roubadas, saqueadas, extorquidas ou recebidas de presente...". Algo que, talvez, mostra o quanto a problemática da testemunha se relaciona com a literatura como um todo e não é unicamente um tema ocasional.

ANDREA LOMBARDI é professor de língua e literatura italiana na UFRJ.

A CHAVE ESTRELA
Autor: Primo Levi
Tradução: Maurício Santana Dias
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 39,50 (200 págs.)
Avaliação: ótimo

(© Estadão)

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