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Primeira colônia italiana anarquista da América do Sul recebe homenagem

02/04/2009

Foto: Anarcoefemèrides

A primeira colônia italiana anarquista da América, criada por Giovanni Rossi, em 1890, no município de Palmeira (PR), será homenageada com uma programação especial
 

A comunidade italiana de Palmeira, município localizado a 83 km de Curitiba, no Paraná, homenageia, de 1º a 8 de abril, a Colônia Cecília, local onde foi implantada a primeira colônia Anarquista na América do Sul. A programação atende à lei municipal instituída em julho de 2008, que definiu o dia 1º de abril como a data comemorativa à fundação do grupo colonial. 

No dia 1º de abril será realizada a palestra "Um Episódio de Amor na Colônia Cecília”, ministrada pelo professor Dr. Miguel Sanches Neto, da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG). O evento será no Colégio Estadual D. Alberto Gonçalves (Rua Santos Dumont, 268, tel (42) 3252-3596), às 19h30min. Também no dia 1º de abril, será aberta a exposição "Colônia Cecília - Uma Experiência Anarquista em Palmeira", às 9h, e poderá ser visitada até oito de abril. Na continuidade do ano, outros eventos deverão ser promovidos.

Os imigrantes italianos anarquistas chegaram à região – que já era povoada por ricos fazendeiros portugueses, antigos bandeirantes paulistas, caboclos e negros descendentes de escravos – em 1890, chefiados por Giovani Rossi, agrônomo italiano natural de Pisa. O objetivo era implantar em Palmeira a primeira Colônia Anarquista da América. A mesma fracassou, por motivos internos e externos, e os imigrantes italianos se transferiram para várias regiões do Brasil, contribuindo, assim, para o surgimento do movimento sindical no país. Ficaram em Palmeira apenas três famílias.

(© Oriundi)


Imigração e Anarquismo: a verdadeira história da Colônia Cecília (I)

 
Foto: ABarata
Os italianos que sonharam implantar no Brasil uma colônia anarquista.

Por Isabele Felici
Tradução: Edilene T. Toledo
Revisão: Sergio S. Silva

A colônia Cecília, experiência que buscou pôr em prática os princípios anarquistas e que nasceu em 1890 no estado do Paraná, é o aspecto mais conhecido do anarquismo italiano no Brasil e sua primeira manifestação. Todavia, existem muitas impressões falsas sobre essa
experiência, uma vez que a imagem da Cecília, que transparece nas obras sobre o anarquismo e nas obras de ficção que lhe foram consagradas, deve-se mais à lenda do que à realidade.

Este artigo concentra-se, o mais precisamente possível em função da documentação recolhida, sobre a forma pela qual desenvolveu-se essa experiência de comunismo anarquista e tem, portanto, por objetivo estabelecer definitivamente a distinção entre lenda e realidade.

É muito provável que, se a lenda não se tivesse apoderado da história da Cecília, transmitindo uma versão desviada da verdade, a experiência comunitária não teria impressionado tanto as imaginações. De fato, apesar da presença de alguns antigos colonos da Cecília no movimento anarquista de São Paulo e na imprensa anarquista no Brasil, nem a colônia, nem seu fundador, Giovanni Rossi, deixaram traços profundos na história do movimento operário, nem italiano, nem brasileiro.

Em compensação, esqueceu-se freqüentemente que a colônia Cecília é também fortemente ligada à história da imigração italiana no Brasil, porque, em muitos aspectos, a experiência dos colonos da Cecília é muito próxima da de outros emigrantes italianos do fim do século XIX. A Cecília nasceu, aliás, no momento em que a vaga de emigração italiana em direção ao Brasil era mais forte.

A personagem do fundador da Cecília é indissociável da história da colônia. Toda a sua atividade política gira em torno de um projeto de vida comunitária. Desde a sua adesão à Internacional, em 1873, aos dezoito anos de idade, Giovanni Rossi propôs um projeto de vida comunitária na Polinésia. Os numerosos artigos que ele apresentou na imprensa italiana, anarquista e socialista, os apelos que ele lançou às associações, federações, partidos, suscetíveis, a seus olhos, de ajudá-lo, tinham todos por objetivo expor seu projeto de comunidade ou, após 1890, apoiar a experiência em curso no Brasil. Com o mesmo objetivo de propaganda, Rossi funda, além disso, seu próprio jornal, Lo Sperimentale, em 1886. Ele desenvolve igualmente seu projeto de comunidade em um romance utópico, Un Comune Socialista, no qual a personagem feminina tem por nome Cecília - que teve cinco edições entre 1875 e 1891.

A atividade de Rossi é completamente marginal no contexto político italiano da época1. De fato, por mais que ele seja exposto, como todos os membros da Internacional no último quarto do século XIX, às repressões que assolavam então a Itália, Giovanni Rossi fica à margem do grande debate político que divide socialistas e anarquistas e propõe uma terceira via, científica esta, para resolver o problema social, a do "socialismo experimental".

A posição de Rossi não atrai simpatizantes nos meios políticos italianos. Nem socialistas, nem anarquistas o apóiam verdadeiramente, tanto durante os anos que ele passou na Itália, como durante a experiência da Cecília. Filippo Turati, uma figura importante do socialismo italiano, escreve, em março de 1891, no jornal Critica Sociale:

"Que alguns pioneiros vão longe, levados pelas asas do desejo, em direção à ilha encantada dos seus sonhos, Robinsons da idéia - está bem, nós não vamos querer censurá-los, nós desejamos a eles ventos propícios e tenacidade na fé. Mas o nosso lugar, o lugar da grande maioria dos lutadores é aqui, na velha civilização, em meio às suas dores, às suas vergonhas, às suas contradições, onde também arde a febre de renovação..."

A opinião dos anarquistas é ainda mais destacada. De seu exílio londrino, Errico Malatesta manifesta sua desaprovação em uma carta publicada, também em março de 1891, pelo jornal La Rivendicazione, de Forlì. Em sua crítica, ele engloba a experiência da Cecília no processo mais vasto da emigração. Malatesta pede aos anarquistas que lutem contra a emigração, essa "válvula de escape que afasta a explosão revolucionária":

"O dever dos revolucionários é o de fazer todo esforço para fazer compreender aos miseráveis que a miséria existe lá como aqui, e que o remédio, se querem, podem encontrá-lo ficando onde estão e rebelando-se contra o governo e contra os patrões para tomar de
volta aquilo que eles mesmos produziram."

E se ele deplora a empresa de Rossi, é não somente porque ela afasta os melhores combatentes, mas também porque ela "oferece aos oprimidos uma vã esperança de emancipar-se sem precisar fazer a revolução" . Ele não acredita que essa experiência possa ter sucesso, nem no plano experimental, nem no econômico e ordena aos revolucionários que não sigam Rossi se não querem se tornar por sua vez desertores:

"De qualquer modo, se Rossi quer fazer o experimento, que o faça; mas que deixe em paz os socialistas, deixe em paz os revolucionários e recolha os pobres trabalhadores, que ainda não ouviram falar do socialismo. Que prefira os mais degradados, os mais embrutecidos e faça a nobre tentativa de elevá-los à dignidade humana, ou melhor, de pô-los em condição de elevar-se de si mesmos por meio do trabalho, da liberdade e do bem-estar. (...) Que Rossi vá ao Brasil repetir tardiamente, quando o problema social já se tornou gigante e reclama solução urgente e geral, os experimentos de diletante, com o qual os precursores do socialismo encheram a primeira metade deste século. Os revolucionários permaneçam no seu posto de batalha. Quando a fome pega pelo pescoço o proletariado, e a revolução se apresenta como dilema de vida ou de morte diante da humanidade, sair do jogo é coisa de pusilânime. Parece-me que hoje quem parte, deserta diante do inimigo no momento da batalha."

Rossi não responde diretamente a essa acusação de deserção. Ele diz simplesmente, no balanço da experiência comunitária no Brasil que ele redige em 1893, "Cecilia, comunità anarchica sperimentale", que essa acusação não tem fundamento, uma vez que, não pertencendo a nenhum exército, não reconhecendo nem chefe nem discípulo, os que escolheram a experiência comunitária não podem ser considerados desertores.

Antes de conseguir fundar uma colônia anarquista no Brasil, Rossi lutou durante anos para que seu projeto se realizasse na Itália. Ele fez diversas tentativas, como a de Stagno Lombardo, uma aldeia do norte da Itália, em uma propriedade chamada Cittadella. Essa tentativa, que durou cerca de dois anos, termina em fracasso, em novembro de 1889. A decepção e a impaciência de ver seu projeto de vida comunitária enfim realizado, fazem com que Rossi conceba a idéia de embarcar para o Novo Mundo. Na edição de 1891 de seu romance Un Comune Socialista, ele conta como lhe nasceu essa idéia:

"Lá pelo fim de 1889, depois que um ensaio imperfeito em Stagno Lombardo não tinha correspondido às minhas esperanças, eu tinha me decidido a ir para uma das duas colônias coletivistas fundadas recentemente na América do Norte - Kaweah na Califórnia ou Sinaloa no México - quando Achille Dondelli de Brescia, em seu nome e no de outros companheiros, me propôs de ir fundar uma colônia na América do Sul. O leitor entenderá logo que eu aceitei com todo aquele entusiasmo que se tem no coração aos trinta e quatro anos."

Quando ele considera a possibilidade de partir para o Novo Mundo, não é no Brasil que Giovanni Rossi pensa em se transferir em um primeiro momento: em dezembro de 1889, ele anuncia em L'Eco del Popolo, de Cremona, que pretende partir para o Uruguai. Alessandro Cerchiai afirma que "ele foi impedido pela eterna revolução entre 'Blancos y Colorados'''.

Essa afirmação, que aparece em uma carta de Cerchiai, publicada em 1936 por uma revista de São Paulo, Quaderni della Libertà, não é confirmada por nenhuma outra fonte. Quanto a Rossi, ele não dá nenhuma explicação sobre essa mudança de destino, e sua partida para o Brasil é muito discreta.

Foto: Depto Cartográfico
A região, no Estado do Paraná, onde os italianos tentaram realizar o sonho socialista.

Pouco tempo se passa do momento em que ele decide partir e quando parte efetivamente. Na sua precipitação, Rossi não tem tempo de anunciar sua partida na imprensa anarquista e socialista italiana. Por isso, mais de dois meses após ter deixado a Itália, alguns jornais, como La Plebe de Cremona, anunciam ainda que ele partiu para o Uruguai.

Quando os primeiros colonos da Cecília souberam que iriam para o Brasil, eles não conheciam ainda o lugar exato onde seria implantada a colônia. De fato, um jornal brasileiro de Curitiba, Quinze de Novembro, anuncia no seu número de 20 de março de 1890 que o Dr. Rossi deixou a Itália no dia 20 de fevereiro para estudar a situação agrícola dos estados da Bahia, Pará, Minas Gerais e decidir sobre qual o melhor lugar onde instalar as cinqüenta famílias que deveriam chegar em julho de 18902.

É no dia 20 de fevereiro que o navio Città di Roma deixa o porto de Gênova, levando a bordo Giovanni Rossi e alguns camaradas. O Città di Roma entra no porto do Rio de Janeiro no dia 18 de março de 1890. Rossi e seus companheiros são abrigados na Hospedaria da Ilha das Flores, o alojamento dos imigrantes no Rio de Janeiro. Uma semana depois, eles partem novamente em direção ao Rio Grande do Sul, para Porto Alegre, como testemunha o registro número 40 das entradas na Hospedaria dos Imigrantes, conservadas no Arquivo Nacional do Rio de Janeiro. Rossi decide apresentar as primeiras notícias do grupo em um jornal anarquista francês. Eis a carta que publica em La Révolte em junho de 1890:

"Recebemos a seguinte carta:
Porto Alegre, 22 de março de 1890

Nós pretendemos constituir aqui uma colônia anarquista, que possa dar à propaganda uma demonstração prática de que nossas idéias são justas e realizáveis, e à agitação revolucionária na Europa auxílios financeiros.

Já faz alguns anos que nós discutimos na Itália as vantagens e os perigos que uma tal empresa poderia apresentar; e após ter estudado a questão, nós nos decidimos. Nós partimos às oito do dia 20 de fevereiro, e em Gibraltar uma família de camponeses espanhóis se juntou a nós. Nós partiremos amanhã para Porto Alegre para procurar um terreno propício. Nós vos informaremos do que ocorrerá. Se alguém desejar nos ajudar, escreva para o seguinte endereço: Dr. Giovanni Rossi, Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil."

A carta é datada 22 de março, quando Rossi e seus companheiros estavam ainda no Rio de Janeiro. A viagem é retomada no dia 26 de março no navio Desterro, que faz escala em Paranaguá (Paraná) no dia 28 de março. É lá que descem nossos pioneiros. Na edição de 1891 de seu romance Un Comune Socialista, Rossi explica que é o mal de mar que decidiu finalmente sobre a sorte da Cecília:

"Nós devíamos ir a Porto Alegre, mas o mal de mar fazia sofrer tanto dois dos nossos companheiros, que decidimos poupá-los de outros cinco ou seis dias de navegação e descer aqui, para fundar a nossa colônia social em alguma parte do Paraná, onde sabíamos que encontraríamos um clima ameno e saudável."

A viagem continua então por terra, idêntica em todos os aspectos à dos outros imigrantes. Os pioneiros da Cecília fazem novas paradas no alojamento dos imigrantes em Paranaguá e depois em Curitiba, onde chegam de trem com outros imigrantes italianos, quase todos acolhidos por parentes e amigos. O escritório da Inspetoria de Terra e Colonização encaminha-os em direção ao distrito de São Mateus, banhado pelo rio Iguaçu.

No dia primeiro de abril, Giovanni Rossi e Evangelista Benedetti partem para fazer o reconhecimento do terreno. Eles percorrem cem quilômetros em "um instrumento de tortura que chamam diligência". A pequena cidade de Palmeira, onde eles chegaram após dois dias de viagem, agradou muito a Rossi, que recenseou todas as vantagens que ela apresentava, da igreja à agência de correio e telégrafo, passando pelo clube literário e a sociedade de teatro, e, sobretudo, "o que mais a torna admirável, um grupo de pessoas notáveis, algumas das quais fizeram seus estudos nos Estados Unidos da América do Norte ou na Europa, mas que demonstram todos muita inteligência e excelente cortesia.3

Entre as pessoas notáveis, aparece o Dr. Franco Grillo, o médico de Palmeira, que se torna o amigo da Cecília e seu apoio no local. Rossi e Benedetti se instalam finalmente em uma velha cabana no bosque próximo a Santa Bárbara, a dezoito quilômetros ao sul de Palmeira.
Passada uma semana, juntam-se a eles os companheiros que haviam ficado em Curitiba. É então que começa, nos primeiros dias de abril de 1890, a história da Cecília.

O número exato dos primeiros colonos não é conhecido, porque as cifras antecipadas por Rossi nos diferentes textos que ele redigiu - e por Amilcare Cappellaro, que se junta à Cecília no fim de 1892, e se torna então o correspondente regular do jornal anarquista francês La Révolte, - contradizem os registros dos barcos aportados no Rio de Janeiro e os registros das entradas na hospedaria dos imigrantes. Na carta, já citada, que Rossi enviou a La Révolte, quando tinha acabado de desembarcar no Rio em março, ele informa que seu grupo é constituído de oito pessoas, às quais se juntou, durante a viagem, uma família espanhola.

Posteriormente ele não fez mais alusão a essa família espanhola. Em contrapartida, em 1891, na quinta edição de Un Comune Socialista, quando Rossi dá os nomes dos companheiros que viajaram com ele, ele não cita mais que cinco: Evangelista Benedetti, Lorenzo Arrighini, Giacomo Zanetti, Cattina e Achille Dondelli. No registro consultado no Arquivo Nacional do Rio de Janeiro, os nomes de Achille e Cattina Dondelli não aparecem entre os nomes dos passageiros do Città di Roma, mas ali figura um outro nome, o de Elisabetta Arrighini, não mencionada por Rossi4. Amilcare Cappellaro, fazendo para um número de outubro de 1892 do La Révolte, o histórico da Cecília, escreve que "a colônia socialista Cecília foi fundada pelo companheiro Rossi e três outros, no mês de abril de 1890."

Cappellaro não leva em conta, em seus cálculos, nem Cattina Dondelli, nem Elisabetta Arrighini; entretanto, havia realmente uma mulher no início da Cecília, uma vez que Rossi nos diz que "a caixa social era confiada, por pura formalidade, à única mulher da comunidade."

As fontes indicam, portanto, que os Dondelli não viajaram no Città di Roma. Fora esse detalhe, a viagem desse pequeno grupo corresponde bem ao que diziam os relatos de Rossi e Cappellaro: os pioneiros vêm preparar a experiência e a vinda das cinqüenta famílias que prometeram juntar-se a eles.

O seu procedimento não é aventureiro: eles já estão informados sobre a geografia, as condições climáticas, os hábitos no domínio da agricultura do país que vai acolher a colônia e seguem o itinerário habitual dos emigrantes que se dirigem ao sul do Brasil. As páginas da edição de 1891 de Un Comune Socialista, que Rossi consagra à viagem dos pioneiros da Cecília, poderiam ter sido escritas por qualquer pessoa que emigrou para a América do Sul no fim do século passado. Nelas, Giovanni Rossi conta a viagem desde o porto de Gênova, o transporte de barco até o Rio de Janeiro, as paradas nas diferentes hospedarias para emigrantes nas quais ele permaneceu com seus camaradas, os primeiros passos para a obtenção de uma terra. O documento é muito interessante porque ele é de uma grande precisão. Rossi é um observador escrupuloso: ele chega até mesmo a medir "conscienciosamente", com a ajuda de seus companheiros, as salas (refeitório, dormitórios) que acolhem os emigrantes.

Na mesma edição, ele conta, em alguns parágrafos, os primeiros meses de existência da Cecília, de abril a dezembro de 1890. Ele se refere com um tom alegre aos problemas administrativos da comunidade nascente; descreve com afeição os animais domésticos que compartilham a vida da colônia e evoca, mas sem se tornar pesado demais, os aspectos negativos da vida na Cecília: essencialmente a pouca variedade da alimentação e o excesso do trabalho. Ele não se detém sobre o fato de que a vida que ali se leva é muito rude, que as refeições são frugais, os cobertores sempre insuficientes, o trabalho difícil; ele fica feliz de anunciar que a vida comunitária, apesar de alguns "incidentes desagradáveis", das querelas e do ciúme do marido da única mulher do grupo, desenvolve-se de maneira satisfatória, "sem regulamentos nem chefes".

Longas passagens desse texto são também consagradas aos meios de transporte, à agricultura, à criação de animais e ao problema dos animais perigosos, tudo apresentado de maneira muito positiva. Eis aqui como Rossi conclui a passagem consagrada aos animais perigosos que, segundo uma idéia falsa, seriam muito numerosos nessas regiões distantes, quando ele mesmo não os havia ali encontrado, devendo, para redigir seu artigo, consultar um amigo instalado há vários anos no Brasil:

Foto: Prefeitura de Palmeira
A colônia estaria localizada no atual município de Palmeira.

"Da minha parte eu não saberia concluir melhor esta assustadora enumeração de flagelos, senão declarando que na nossa colônia vive-se muito bem, tem-se um apetite de lobo e só se vê em torno de nós gente sã e contente."

A publicação desse texto é um elemento da campanha de propaganda à qual se dedica Rossi no fim de 1890, quando ele volta para a Itália. Ele desembarca em Gênova, no dia 25 de novembro de 1890, com a intenção de recrutar colonos novamente, uma vez que as cinqüenta famílias que haviam prometido alcançar os pioneiros em julho de 1890 não mantiveram a palavra.

Pleno de detalhes concretos sobre o local que acolhe sua colônia experimental, da qual ele compartilhou a vida de abril a setembro ou outubro de 1890, Giovanni Rossi põe todo o seu esforço para obter apoio e recrutar novos colonos nas cidades que ele atravessa: Pisa, Cecina, Livorno, La Spezia, Turim, Milão, Brescia.

A leitura desse relatório deixa, especialmente na versão revisada que apareceu, de maio a setembro de 1891, na revista La Geografia per Tutti de Bergamo, uma impressão muito próxima da que se teria lendo um texto de propaganda sobre o Brasil e suas maravilhas, distribuído pelo governo brasileiro da época ou de alguma companhia de navegação ansiosa por encher os seus navios de emigrantes. O desejo de atrair e de seduzir novos participantes influenciou Giovanni Rossi na sua redação, e o incitou a adotar um tom entusiasta e tranqüilizador.

Rossi é então convencido de que a experiência está em boa via, visto que as notícias que o alcançam da Cecília são as mais encorajadoras. Dante Venturini, um colono originário de Cecina, encanta-se com o que encontra chegando ao local no dia 3 de abril de 1891 e conta isso em uma carta que escreve a Rossi e que este publica durante sua permanência na Itália, em anexo à edição de 1891 de seu romance Un Comune Socialista:

"Vocês não podem acreditar o quanto é boa a nossa situação, que vai melhorando sempre mais. Além do mais, temos uma água excelente, enfim, tudo é melhor do que o Dr. Rossi nos havia descrito. Quanto aos animais selvagens, nós ainda não vimos nenhum, exceto
um pequeno macaco que foi morto por um dos nossos companheiros. Por ora, os nossos alimentos são: arroz, feijão, polenta, porco, carne de vaca, salame, café, leite, tudo em grande abundância.O pão é pouco, porque é preciso comprá-lo, mas assim que nós encontrarmos o material e a cal para fazer um forno, então deixaremos de come polenta e passaremos ao pão."

A propaganda levada por Rossi é eficaz e os colonos que ele recruta na Itália chegam, como Venturini, ao longo do ano de 1891. Eles começam a deixar a Itália no início de 1891. Em fevereiro, vários grupo embarcam em Gênova em direção a Palmeira. Seis famílias originárias de Livorno partem no dia 3 de fevereiro de 1891, no navio Vittoria. Entre eles está Eugenio Lemmi. Um segundo grupo, mais numeroso, dezesseis famílias e alguns solteiros, originários de Cecina, Gênova, Turim, Milão e Brescia, embarca no dia 14 de fevereiro de 1891. No dia 10 de março, é a vez de treze famílias e sete homens solteiros de Florença, Poggibonsi, La Spezia e Milão. Francesco e Argia Gattai, os avós de Zélia Gattai, e suas crianças, fazem parte desse grupo que viajou no dia 10 de março de 18915 - e, portanto, não partiram a bordo do Città di Roma, contrariamente ao que ela diz em seu livro de memórias, Anarquistas, Graças a Deus.

Essa observação não diminui em nada o valor do testemunho de Zélia Gattai e a carga emotiva que contém o relato, particularmente comovente, que ela faz da viagem de seus avós: a última criança da família Gattai, um recém-nascido, morre de fome na chegada ao porto de Santos. Outros pequenos grupos partem ainda no dia 28 de março, no dia primeiro e 23 de abril. Cada grupo parte com sementes, utensílios e instrumentos de trabalhos, alguns dos quais provenientes do Museo Civico, de Gênova, e do jardim botânico da Universidade de Pisa.  Levam também duas caixas de "bons livros" coletados pelos socialistas de Critica Sociale.

Os colonos recrutados por Rossi tinham sido precedidos por algumas famílias de camponeses chegados logo após a partida de Rossi. Ele é informado por Grillo, que lhe escreve de Palmeira em janeiro de 1891. A carta de Grillo aparece também em anexo na edição de 1891 de Un Comune Socialista:

"No dia 31 de dezembro, chegou aqui repentinamente o companheiro Artusi com duas famílias, esses também companheiros; entre grandes e pequenos são treze pessoas: eu os fiz conduzir à Colônia, onde eles se acomodaram o melhor possível, enquanto se constroem novas casas. As duas famílias de Roncadelle estão já em Montevidéu, e esperamos que daqui a uns quinze dias eles possam estar aqui." (continua na parte II)

1 Sobre os primeiros passos de Giovanni Rossi no contexto político italiano no último quarto do século XIX, bem como sobre o conjunto do período, ver minha tese de doutorado defendida em 1994, na Université de la Sorbonne Nouvelle Paris III, Les Italiens dans le mouvement anarchiste au Brésil. 1890-1920.

2 Citado por Helena Isabel Mueller, em sua tese em História intitulada Flores aos rebeldes que falharam. Giovanni Rossi e a utopia anarquista: colônia Cecília, defendida na Universidade de São Paulo, em 1989.

3 ROSSI, Giovanni. "Al Paraná. Appunti di viaggio e di colonizzazione". La Geografia per Tutti, n.7, Bergamo, 15 de agosto de 1891. Na continuação do texto, todas as informações referentes à viagem de Rossi e aos inícios da colônia Cecília são tiradas, salvo indicação contrária, dos balanços que ele mesmo fez em 1891 e 1893, em Un Comune Socialista, Livorno, Tip. E. Favillini, 1891; e Cecilia, Comunità Anarchica Sperimentale: un episodio d'amore nella colonia Cecilia, Livorno, Biblioteca del Sempre Avanti, n.7, Tip. S. Belforte, 1893.

4 As fontes italianas confirmam esse ponto, visto que não apresentam mais nenhum traço dos Dondelli na nota do Ministério do Interior que relaciona os socialistas que tinham embarcado no "Città di Roma", no dia 20 de fevereiro de 1890. Ministero dell'Interno. Direzione Generale della Pubblica Sicurezza, Ministero degli Affari Esteri, Roma, 27 de fevereiro de 1890. Archivio Storico del Ministero degli Affari Esteri, Roma, Serie Polizia Internazionale, pasta 47.

5 Cópia do interrogatório de Francesco Gattai por um funcionário da polícia de Gênova, 27 de novembro de 1902, Archivio Centrale dello Stato, Roma, Casellario Politico Centrale, pasta 2307, fascículo Francesco Gattai.

Para ler a sequência do Artigo de Isabele Felici (partes II, III e IV-Final), visite o site Oriundi, nos seguintes endereços:

http://www.oriundi.net/site/oriundi.php?menu=categdet&id=4709

http://www.oriundi.net/site/oriundi.php?menu=categdet&id=4745

http://www.oriundi.net/site/oriundi.php?menu=categdet&id=4784

(© Oriundi)
 

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