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Teatro como Arma de combate

12/04/2009

Avelino Fóscolo
 

Três textos escritos por um sapateiro, um alfaiate e um farmacêutico mostram a produção teatral anarquista brasileira, abertamente anti-intelectual

Fabiana Moraes
fmoraes@jc.com.br

Proudhon atestou certa vez: a verdadeira arte é aquela que pode ser realizada pelo mais simples dos indivíduos. Seguidores em diferentes níveis do teórico mais famoso do anarquismo, três homens – um farmacêutico, um alfaiate e um sapateiro – inculcaram a afirmativa e pensaram para além dos tipos profissionais que encarnavam: tornaram-se dramaturgos, artistas que escreveram sobre a corrupção e a dominação de seu tempo. Avelino Fóscolo, que vivia entre fórmulas e escritos, Marino Spagnolo, ex-vidreiro também voltado a confecção de ternos, e Pedro Catallo, italiano que, além de sapateiro era poeta, não tiveram seus textos montados por nenhum grupo ou diretor famoso no País, mas increveram-se na história da dramaturgia nacional.

Suas obras O semeador, A bandeira proletária e Uma mulher diferente foram algumas das primeiras peças escritas em solo nacional a ir contra o teatro comercial, dando vazão àquilo que era produzido na esfera do operariado. As três produções acabam de ser lançadas pela editora Martins Fontes (preço médio, R$ 45), dentro da coleção Dramaturgos do Brasil, que já contemplou obras de Oduvaldo Viana (Vianinha), João do Rio, Machado de Assis, José de Alencar e o teatro romântico nacional.

Organizadora da antologia, Maria Thereza Vargas escreve, já na introdução do livro, que os textos “nada têm, em sua estrutura, de peças extraordinárias, nem de obras concebidas em elevado grau de inspiração que tenham chamado a atenção dos meios teatrais consagrados”. O que tornou relevante a reunião das peças na coleção, defende, foi o “ineditismo das ideias e fidelidade à causa que serviam que não se acham distantes daqueles poucos momentos em que a dramaturgia soa como uma transposição fiel daquilo que os espectadores pensam e dizem ou gostariam de dizer”.

De fato, a obra dos três autores ressalta, antes de tudo, um período no qual o País, principalmente nas regiões Sul e Sudeste, era tomado por imigrantes europeus que já traziam na bagagem uma noção do anarquismo (intensamente pregado em cidades francesas e italianas durante a segunda metade do século 19). Somavam-se a estes imigrantes intelectuais brasileiros como Manuel de Mendonça (autor de Regeneração) e o médico Fábio Luz, que escreveu Os emancipados, além do grupo de fundou a revista Kurtur e a Universidade Popular em 1904 (Elísio de Carvalho, o estudante de medicina J. Martins Fontes, Pedro do Couto, Rocha Pombo, Pausilipode da Fonseca, João Gonçalves da Silva e Maximino Maciel).

Além de escrever O semeador - que traz personagens como camponeses e um coronel, entre outros –, Fóscolo ainda confeccionou três romances (O mestiço, O caboclo e O vulcão), todos influenciados por teóricos como Elisée Reclus e Jean Grave. Apesar do estofo teórico, ele identificou-se fácil com os problemas sociais que assolavam um país que ainda engatinhava na república: órfão, ele trabalhou, criança, ao lado de escravos nas minhas de Morro Velho.

Em O semeador, onde cita as longas jornadas de trabalho dos camponeses e a perseguição aos libertários (como Laura, a professora), Fóscolo demonstra uma das mais caras bandeiras do movimento no Brasil: a má vontade com os intelectuais, que já eram entendidos como uma “categoria” sempre distante do povo. Nesse sentido, mais do que a experiência em salas de aula, era a vivência nas ruas - aliás, nos campos – que determinavam o caráter do homem. “O diploma não é prova de saber, os exames não são indício de competência”, diz o autor em O semeador.

Marino Spagnolo e Pedro Catallo não carregavam a bagagem cultural do colega anarquista mineiro, mas, embalados com os movimentos sindicalistas que passaram a pipocar no País, tiveram contato com textos que os impulsionaram a também apontar o dedo para as problemáticas sociais de então. A estrutura dos textos pode soar um tanto simplista, talvez ingênua, para os dias de hoje, mas é preciso antes de tudo contextualizar o momento político do Brasil. Em A bandeira proletária, por exemplo, Spagnolo personifica o mal na figura do industrial, enquanto o operário Paulo profere frases como “Saúde? Melhor não a ter! a saúde dá muita fome e eu não ganho para comer. Recorro ao álcool para que me mate a saúde, porque com ela morre a fome”.

Catallo tem uma contribuição particularmente interessante no teatro nacional, ultrapassando inclusive a questão anárquica: criou, entre as décadas de 40 e 50, três peças que falavam sobre a condição feminina (A insensata, O coração é um labririnto e Uma mulher diferente, esta presente na publicação). “Em suas peças, é a mulher que, muito lúcida, cabe o raciocínio sobre os acontecimentos e é ela quem dá a palavra final, saindo sempre vencedora”, escreve Maria Thereza Vargas a respeito do trabalho do autor.

(© JC Online) 


Pérolas pela liberdade

Rosane Pavam

Um prático em farmácia, um sapateiro e um alfaiate, decepcionados com a República brasileira, transformam suas ideias em peças teatrais. Estamos nos primeiros anos do século XX e a arte propaga novos caminhos. Unidos pelo lema anarquista, o farmacêutico de Sabará Avelino Fóscolo (1864-1944), o alfaiate de origem hispânica Marino Spagnolo e o sapateiro-poeta ítalo-argentino Pedro Catallo (1900-1963) enforcariam o último rei nas tripas do último frade, se isto à época lhes coubesse fazer. 

Mas a eles estava destinada a tarefa de escrever aos companheiros. Suas peças se intitulavam O Semeador, A Bandeira Proletária e Uma Mulher Diferente. E eram redigidas segundo o ideal anarquista de “dramaturgia perfeita”. Maria Thereza Vargas, organizadora da Antologia do Teatro Anarquista (Martins Fontes, 352 págs., R$ 45), no qual esses três textos são reunidos pela primeira vez, explica que “perfeição” significava reproduzir com palavras aquilo que os anarquistas entendiam por tecido da vida.

Compor, fazer versos e escrever dramas eram consideradas tarefas essenciais ao movimento. E os autores se dispunham à luta sem talento natural para as letras. Fóscolo era o mais literário entre os três. Escrevera três romances que retratavam “fotograficamente” problemas sociais provocados por uma “sociedade retrógrada e injusta”, ele que fora menino órfão, trabalhara com os escravos nas minas e delas fugira para viver de teatro como mambembe. Casado, estabeleceu-se na farmácia do sogro e instruiu o povo.

Spagnolo e Catallo chegaram à América a partir da segunda metade do século XIX destinados à lavoura e mais tarde à indústria. Em sua bagagem cabiam as ideias de revolução aprendidas na Europa. Spagnolo, de quem pouco se sabe, foi vidreiro, depois alfaiate no Belenzinho. Catallo trabalhava numa oficina de “calçados Luís XV”, quando um companheiro o convidou a integrar o amador Grupo Teatral da União dos Artífices em Calçados. 

O Semeador, peça escrita entre 1905 e 1906, teve encenações documentadas na capital paulista e no interior até pelo menos os anos 1920. Ela mostra os proprietários das fazendas como predadores da natureza inconformados com a Abolição da Escravatura. A Bandeira Proletária não idealiza os cenários. Os ambientes são feios como os arredores das fábricas. O personagem Paulo espera se casar com a lavadeira Rosa, mas o industrial rico está de olho nela. Uma Mulher Diferente é comédia dramática, a mais original entre as três, por pregar o amor livre na década de 1940. “O matrimônio destrói a candidez e a beleza que envolve as almas que se querem bem”, escreve Pedro Catallo, seu autor.

(© Carta Capital)

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