Ricardo
Valladares
Quando a novela Terra Nostra estreou, em setembro de 1999,
a direção da Rede Globo já tinha em seus planos uma manobra inédita na história da
emissora: dividir em duas partes a saga imaginada pelo dramaturgo Benedito Ruy Barbosa.
Ela teria início na época da Abolição e caminharia até as primeiras décadas do
século XX. Na segunda parte, vários personagens seriam retomados e o enredo poderia
avançar até os anos 60. Pois bem. Na semana passada, a pedido da diretora-geral da
Globo, Marluce Dias da Silva, Benedito começou finalmente a burilar as idéias para Terra
Nostra 2. Até o final de julho, ele entregará à emissora uma sinopse. VEJA teve
acesso a trechos desse texto, que descrevem as prováveis cenas iniciais da novela. Nos
primeiros capítulos, o autor pretende usar fotos com os principais personagens para
"reavivar a memória do telespectador". Animando essas imagens, ele resumirá
brevemente a trajetória de cada um e, no caso das crianças, mostrará a passagem do
tempo e seu crescimento. "Não foi à toa que houve sete partos nos últimos
capítulos de Terra Nostra", diz Benedito. "Eu já estava preparando o
caminho para a segunda fase." Quando o público reencontrar Giuliana, Matteo e
companhia, o ano será 1947. A II Guerra Mundial já terá acabado e muitos outros
imigrantes alemães, franceses, judeus, entre outros se unirão à
italianada que dominou a primeira parte da trama.
A idéia de fazer
uma saga em dois tempos surgiu como forma de tranqüilizar Benedito. O autor tem um ritmo
de trabalho todo próprio: escreve sozinho, sem colaboradores, e se angustia com o
processo de criação. Já chegou inclusive a ser hospitalizado no meio de um trabalho. O
projeto da seqüência poderia ter sido engavetado, não fosse o fato de Terra Nostra ter-se
tornado um marco na teledramaturgia da Globo. Ela reacendeu o interesse do espectador
pelas novelas das 8. Nos três anos que antecederam sua estréia, a emissora havia
amargado vários fracassos. A audiência do horário nobre andava no fundo do poço. Terra
Nostra teve picos de 58 pontos no Ibope e espantou todos os fantasmas. Além disso,
vem fazendo uma estupenda carreira internacional. Vendida para quarenta países e
retransmitida para outros dezessete, vira febre onde entra no ar. Em maio, por exemplo,
tornou-se campeã de audiência em Miami, nos Estados Unidos, fazendo com que o canal
hispânico que a exibe ultrapassasse até programas como Nova York contra o Crime,
da rede gigante ABC. A expectativa é que em breve Terra Nostra se torne a novela
mais vendida no exterior em toda a história da Globo. Por enquanto, Escrava Isaura detém
esse título: em dezessete anos de carreira internacional, foi vista em 78 países. Um
capítulo de Terra Nostra pode ser vendido por 250 dólares para países pobres
como Cuba e chegar a 20.000 dólares se for exibido em uma grande emissora na Europa.
Apesar de todo esse sucesso, em meados do ano passado Benedito
quase desistiu do projeto de Terra Nostra 2. A causa foi a série Aquarela do
Brasil. O programa enfocou o período da II Guerra Mundial, que Benedito pretendia
abordar na continuação da novela, e foi dirigido por Jayme Monjardim. Jayme e Benedito
já se haviam estranhado ao trabalhar juntos em Pantanal (1990), novela da extinta
Rede Manchete. Depois de nove anos de discórdia, fizeram as pazes. Mas agora a mágoa é
mais funda. "Ele usou idéias minhas na série", acusa Benedito. "Não foi
justo comigo. Com esse, eu não trabalho mais." Quem também está na lista negra do
autor é a atriz Gloria Pires. Atores e atrizes do elenco da Globo em geral consideram uma
sorte ser escalados para as novelas de Benedito, mas Gloria aparenta ser uma exceção. Na
semana passada, ela declarou que um dos piores papéis de sua vida foi Rafaela, em O
Rei do Gado, de 1996. "Ela não aceitou ter uma participação mais importante na
novela porque a personagem para a qual foi escalada era virgem. Por isso, acabou
interpretando um papel menor. Depois, como se não bastasse, ficou querendo mudar as
falas. Mas em texto meu ninguém mexe", esbraveja o autor.
Em Terra Nostra 2, Benedito usará elementos da História
brasileira da sua forma habitual: como pano de fundo, e não para levantar teses
polêmicas. Também vai explorar manjados elementos folhetinescos, como as reviravoltas da
fortuna. Logo no começo, por exemplo, o banqueiro Francesco (Raul Cortez) deverá ir à
falência. Será atingido pelas restrições que o governo brasileiro impôs aos italianos
durante a II Guerra. "Depois da falência, ele morre de raiva e deixa viúva a bela
Paola (Maria Fernanda Cândido)", adianta o autor. De sua experiência
pessoal, Benedito pretende aproveitar um episódio. Ele conta que nos anos 50 teve um
namoro com uma garota judia, mas o romance não foi adiante por interferência dos pais
dela. Essa situação também será vivida por um casal da novela. "Como a época de Terra
Nostra 2 foi aquela em que várias etnias começaram a se misturar no Brasil,
certamente houve muitas paixões proibidas entre pessoas de origens diferentes",
acredita ele. Para acertar todos os ponteiros, agora só falta Benedito reunir-se com a
direção da Globo, o que deverá ocorrer em breve. (VEJA)

Terra Nostra 2
Os álbuns
Dois álbuns de família surgem, na retomada
da nossa história, para reavivar, na memória dos telespectadores, as personagens de Terra
Nostra. E duas fotos, a primeira tirada nos jardins da mansão do banqueiro Fransceso,
e a outra na fazenda do barão do café, Gumercindo, ambos rodeados de todos os seus
familiares e de seus principais agregados, que tiveram participação ativa em suas vidas,
na primeira fase da novela, serão marcantes no início da nossa narrativa.
Essas duas fotos praticamente encerraram a
história de Terra Nostra e, agora, servirão de ponto de partida para a
identificação das personagens da Segunda fase da novela.
Por exemplo:
Quando surgir Juanito, homem feito e às
voltas com seus conflitos, vamos buscá-lo no colo de Giuliana, ao lado de Matteo, no
jardim da mansão de Francesco, animando a cena no momento em que a foto foi tirada. E, em
rápidos takes, relembraremos momentos marcantes do seu nascimento e de quando foi dado
por morto.
E ele está vivo agora e é um dos principais
personagens da continuação de Terra Nostra. E, assim como acontecerá com ele,
acontecerá também com as demais personagens que, crianças na primeira fase, hoje
encontramos adultos, já casados e com filhos, outros metidos em situações que parecem
sem saída.
Os tempos são outros.
Estamos em 1947 agora. A Segunda Grande Guerra
já acabou mas deixou suas marcas. E ficamos sabendo que o banqueiro Francesco Magliano
quebrou, durante o conflito. Pelo simples fato de ser italiano, casado com uma italiana,
Paola, mas, principalmente, por ter se insurgido, de forma passional, contra as
restrições que o governo brasileiro impunha aos da sua raça.
Seus clientes italianos, da sua casa
bancária, sacaram todo o seu dinheiro, com medo que o governo o confiscasse. Os
brasileiros fizeram o mesmo, simplesmente porque ele era italiano, agora inimigo, e não
mais parceiro dos seus negócios.
E, de repente, ele acordou mais pobre do que
quando havia desembarcado neste país. Morreu de raiva, o nosso Francesco, mas deixou uma
mulher ainda jovem e fresca, cheia de vida e coragem, para começar tudo de novo.
E que grande mulher será a nossa nova Paola!
O pano de fundo dessa nova fase da nossa
novela passará, como lembrança por demais recentes, na época, pelo início do Estado
Novo, imposto por Getúlio Vargas, e pela seqüência do seu domínio na política
brasileira.
E abriremos o leque da nossa história, com
novas personagens, imigrantes que aqui aportaram não para lidar nas lavouras de café,
como os primeiros, mas agora mais qualificados profissionalmente mas que, fugindo da
miséria que grassava na Europa de após guerra, chegavam com o mesmo sonho.
O de "fazer a América" neste
Brasil.
E são italianos, portugueses, espanhóis,
alemães, franceses, judeus... e tantos outros!
E este país sempre esteve de braços abertos
para todos eles. Os que chegaram com a bandeira branca da paz. E com vontade de trabalhar.
Texto de Benedito Ruy Barbosa sobre
Terra Nostra 2. |
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