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Boccaccio para as massas

31/07/2009

Atores da minissérie Decamerão – A comédia do sexo
 

Bolívar Torres

A inspiração vem de histórias de um autor italiano do século 14, temas libidinosos e anticlericais declamados em versos, ocorrendo em espaço e tempo indefinidos e fabulares. O inusitado conceito da minissérie Decamerão – A comédia do sexo precisou de um pequeno teste – ou piloto, para usar um termo televisivo – antes de ganhar sua versão mais longa, que estreia nesta sexta-feira. Depois de iniciar com sucesso como um especial para a Rede Globo em janeiro, o programa vai ao ar finalmente em seu formato previsto, quatro episódios de aproximadamente uma hora. A ousadia do projeto, que tem direção e roteiro de Jorge Furtado, junta-se à da recente Som & fúria, de Fernando Meirelles, na tentativa de expandir a linguagem televisiva.

– Espero que continuem abrindo cada vez mais espaços para programas mais radicais – comenta Furtado, que diz ter acompanhado e apreciado desde o início a minissérie de Meirelles. – O mérito deles é justamente o de experimentar, independentemente do resultado artístico e comercial. O único limite da TV é a audiência. Tudo que se faz no cinema dá para fazer na televisão. Já produzimos coisas que ninguém imaginava que poderiam ser feitas, como o TV Pirata, por exemplo. Mas, como se trata de uma indústria autossustentável, a única questão é saber quantas pessoas vão assistir.

Havia suspeitas de que o exotismo da proposta estética, que põe em cena atores declamando versos, somada à indefinição geográfica/temporal e à forte carga sexual da trama, pudesse afugentar um público televisivo conservador, tradicionalmente acostumado à escola naturalista das novelas. Mas os índices do especial exibido no início do ano permitiram a Furtado e seus colaboradores (Ana Luiza Azevedo na direção e Carlos Gerbase, Adriana Falcão e Guel Arraes no roteiro) a irem ainda mais longe – é, ao menos, o que garante o cineasta.

Grande salada

O princípio segue o mesmo: uma adaptação livre de algumas das 100 – ou 101 – histórias que o escritor pré-renascentista italiano Giovanni Boccaccio reuniu entre 1349 e 1353 em seu livro Decamerão. Enquanto o especial se servira de três delas para construir sua trama, a versão estendida se apropriou de oito. Mesmo assim, não há uma única palavra de Boccaccio no programa. Diferentemente do original, que se passa nos arredores da Florença atingida pela peste bubônica na Idade Média, a adaptação de Furtado cria universo próprio, com uma linguagem verbal repleta de referências à cultura popular brasileira de todas as épocas.

– Filmamos na serra gaúcha, numa aldeia montanhosa... Eu até brinco que a minissérie é "inspirada em Boccaccio, Shakespeare e Asterix", por causa da semelhança do lugar com a aldeia do gaulês. Mas não se trata de uma época ou de um país que exista. É tipo fábula: "Há muito tempo, num lugar distante..." – esclarece Furtado. – Os figurinos e as casas foram tirados de um período entre 1800 e 1900, para remeter à imigração italiana. É uma grande salada: num momento um personagem começa a cantar.

O livro de Boccaccio se passa num contexto bem específico: a Itália pré-renascentista do século 14, na qual uma classe burguesa começa a ascender em meio ao feudalismo teocêntrico. Para fugir da peste bubônica, 10 jovens (sete mulheres e três rapazes) de Florença se reúnem num campo paradisíaco – um contraponto à cidade devastada pela doença. Entre banquetes e festas, decidem contar, a cada dia, 10 histórias para passar o tempo. As narrativas mostram personagens pouco preocupados em desrespeitar os preceitos religiosos, em atitudes anticlericais que trocam os dogmas pelo bom senso e a iniciativa – sinal evidente do surgimento de uma secularização da política, da economia e dos costumes.

Os roteiristas do programa recuperam à sua maneira algumas destas histórias. Os quatro episódios transitam entre três núcleos: Monna (Deborah Secco), uma criada que, para herdar a fortuna de seu ex-patrão Spininellochio (Tonico Pereira), casa-se com seu filho, Tofano (Matheus Nachtergaele); Filipinho (Daniel de Oliveira), um comerciante que ama sua esposa (Leandra Leal), mas que não consegue lhe ser fiel; e Isabel, que vive perturbada por sonhos eróticos com Masetto (Lázaro Ramos), mas que também não hesita em dar atenção para o Tenente (Felipe de Paula).

Liberdade na TV

– São personagens arquétipos, criados espertalhões, maridos cornos, amantes que sobem pela janela... – analisa Furtado. – Foram fontes posteriores de diversos artistas, como Molière e Shakespeare. Neste sentido, a fidelidade total não interessa, porque eles funcionam em qualquer lugar e qualquer época. Por isso, acredito que o Decamerão popular pode dar certo na TV.

O diretor, que desde o início da carreira alterna trabalhos para o cinema e televisão, afirma que sempre teve a mesma liberdade criativa nos dois veículos.

– Mesmo esta questão da autoria sendo subjetiva, no meu caso sempre consegui imprimir um trabalho autoral na TV, às vezes até mais do que no cinema – diz. – No cinema, dependendo do tamanho da produção, pode-se ficar refém da opinião de um produtor, por exemplo... Sempre trabalhei nos dois veículos e conheço a peculiaridade de cada um. Algumas coisas funcionam melhor numa sala escura e tela grande, enquanto outras numa sala com luz acesa e tela pequena. Não existem regras do que funciona num e do que funciona noutro. Cada caso é um caso.

(© JB Online)


 


Decamerão mistura dinheiro e sexo soft

Assim Jorge Furtado define a versão de Boccaccio que estreia na Globo

Patrícia Villalba

A televisão recebe uma safra de produções com pedigree de cinema, um tipo de parceria que se torna cada vez mais frequente. Fernando Meirelles fez Som & Fúria, que foi ao ar no começo do mês, na Globo. Beto Brant fez O Amor Segundo B. Schianberg, um reality show experimental da TV Cultura. E, também para a Globo, Jorge Furtado fez algo quase artesanal: uma série de quatro episódios, baseada no Decamerão escrito por Giovanni Boccaccio no século 14, toda interpretada em versos. "É uma experiência radical", define o diretor, que conversou com o Estado durante as gravações do programa, na Serra Gaúcha, em maio.

A série, que estreia às 23 horas, traz um elenco de grandes nomes - Lázaro Ramos, Deborah Secco, Matheus Nachtergaele, Daniel de Oliveira, Leandra Leal, Drica Moraes e Edmilson Barros -, que interpretam personagens bastante arquetipais da Comédia Dell'Arte. São eles que amenizam qualquer resquício de radicalismo do texto, que resulta numa história leve e divertida, sobre sexo e dinheiro. O formato passou no teste de sucesso num programa especial que foi ao ar no dia 2 janeiro, e conseguiu 29 pontos no Ibope.

Nesta entrevista, o diretor gaúcho, que também escreveu o roteiro, fala sobre o processo de criação da série, uma verdadeira volta à fonte da dramaturgia: "A dramaturgia moderna, do século 19 para cá, tem essa coisa da desdramaturgia. Pode ser interessante como forma, mas é passageiro como o fax."

Como surgiu o projeto de Decamerão, que é tão diferente do que você faz, sempre tão contemporâneo?

Queria fazer alguma coisa de dramaturgia em verso. E também com o Decamerão, que é uma coletânea incrível de histórias. Foi muito apropriado, porque são fábulas, todas de humor, erotismo, com truques e artimanhas, que poderiam reunir uma trupe da Comédia Dell'Arte. E eu vinha na batida da comédia dell''arte desde Saneamento Básico (2007). Pensei em usar os contos do Decamerão, que podem ser interpretados pelos sete personagens da comédia dell'arte: é o triângulo amoroso - o marido rico, avarento e ciumento, a mulher que o trai, e um falso padre, que é o amante -, o casal de criados e o casal romântico. É uma experiência bem radical, por isso fizemos um piloto.

Qual era o receio? O fato de ser interpretado em versos?

É. Há um preconceito contra a poesia, de que ela vai resultar em algo erudito e não popular. Mas eu argumentei que não, que a poesia é muito popular no Brasil através da música.

Antes de gravar, os atores ensaiaram por uma semana. É o texto que pede uma preparação especial?

Sim, mesmo trabalhando com essa trupe de comediantes, todos grandes atores. Para fazer uma história assim, não há improviso nenhuma. Não pode dizer "ui" fora do texto, senão vai ter de rimar com "fui" em algum lugar. Tem de ensaiar bastante, para ficar bem coloquial. Senão, fica declamado feito "batatinha quando nasce", horrível.

Os personagens da série são bastante arquetipais. E o curioso é que a teledramaturgia de hoje busca obsessivamente por personagens ambíguos - o mocinho que não é exatamente mocinho, o vilão que não é totalmente vilão. É como se você, que não é um cara de televisão, fosse para trás.

Exatamente, a ideia é essa. A gente sabe mais sobre os personagens do Shakespeare em três falas deles do que sobre os personagens de Ulisses em mil páginas. Tu entendes muito claramente e rapidamente por causa disso que tu dissestes: eles são arquétipos. O marido chega em casa e pergunta "mulher onde você estava?" E você imediatamente entende que é o marido ciumento. Acho isso muito rico. Essa outra vertente que tu ressaltastes, que vai para o lado do realismo e da ambiguidade, chegou a um beco quase sem saída. O Borges disse que o romance russo provou que ninguém é impossível. São personagens tão complexos que é muito fácil inventar: todo mundo pode ser tudo ao mesmo tempo.

É ir à fonte da dramaturgia.

É ir para trás, sem dúvida, até onde as histórias começaram. São personagens básicos, que têm os instintos mais primários, que resumem a dramaturgia. A dramaturgia moderna, do século 19 para cá, tem essa coisa da desdramaturgia. Pode ser interessante como forma, mas é passageiro como o fax. Uma tecnologia passageira, daqui a pouco ela já era.

Você usa película 16 mm na série. Por que não se rendeu ao HD?

Por que eu sou um cabeça-dura. Tem algumas câmeras novas, tipo a Red, que o Fernando (Meirelles) usou em Som & Fúria, que são pequenas e têm uma qualidade de imagem comparável à película. Mas é ainda uma coisa muito nova. Fiz um curta em HD e aquela coisa de ficar trocando o cartão de memória, fazer back-up do cartão, dá problema e não sei mais o quê. O 16 mm funciona muito bem, é uma camerazinha pequena, põe no ombro vai ali e faz. E outra: tu botas um negócio em película no meio de uma programação de TV, nossa...?

O mercado de coprodução com a TV está fervendo. Você tem uma produtora fora do eixo Rio-São Paulo e trabalha para a Globo. Como é?

É bacana, estou feliz da vida, porque a coprodução está aumentando, e diversifica a TV. Se tu produzes sempre dentro da casa, as coisas ficam meio parecidas, inevitavelmente. Mas se tu mandas o negócio para Pernambuco, Minas ou Rio Grande do Sul, fica diferente. Outra coisa é este cenário aqui, que é uma coisa muito específica. Não gosto muito de filmar em estúdio. A locação tem uma vivência que é quase um personagem.

E a liberdade que você tem, é total?

Total não existe nunca. Mas é uma liberdade grande, que tem a limitação do tempo, do custo, do clima. O erotismo do nosso Decamerão tem um limite de televisão, então eu não posso fazer cenas muito fortes de sexo. E nem quero, porque não acho que combine com comédia. Umas pessoas nuas transando não é engraçado - não tem como passar disso para a piada. Então, nosso erotismo é soft. Mas tem muita sacanagem, erotismo sugerido. É uma tradição da poesia brasileira, aquela coisa "ela deu o rádio e não me disse nada", do Genival Lacerda.

Mas o subtítulo da série - A Comédia do Sexo - dá impressão de algo muito mais picante do que realmente é.

Sim. Tem um monte de sexo - mas eles rolam na cama e acabou. Acho mais legal, e muito mais erótico para falar a verdade, porque dá margem à imaginação. Tu não consegues fazer algo tão incrível quanto podes imaginar. Tem alguns caras que filmam sexo brilhantemente, como o Almodóvar, mas é muito difícil. Só tem uma coisa mais difícil de encenar do que sexo: futebol.

Nos Bastidores

HITS: Decamerão se passa numa época e país não definidos. Mas a trilha sonora é a música brasileira, de vários tempos - Chiquinha Gonzaga, Patápio Silva, Chico Buarque, Jovelina Pérola Negra, Noel Rosa, Jorge Mautner e Seu Jorge.

FETICHE: No papel do falso padre Maseto, Lázaro Ramos faz o quinto trabalho com Jorge Furtado, todos filmados no Rio Grande do Sul. "Ele já é quase meu ator fetiche", diz o diretor. "Estou pronto para pedir a chave de Porto Alegre", brinca Lázaro.

SET: A série foi rodada em Farroupilha e Garibaldi, na Serra Gaúcha. Casas originais do século 19 foram utilizadas como cenário, além de objetos de cena cedidos por colecionadores.

JORNADA DUPLA: Edmilson Barros, o Calandrino da série, aproveitou as férias para participar das gravações - além de ator, ele é engenheiro da Petrobrás.

SUSTENTÁVEL: Nas gravações, foram abolidos os copos descartáveis e cada membro da equipe recebeu uma caneca reutilizável. "Fizemos a conta: poupamos 10 mil copos descartáveis", conta Furtado.

(© Estadão)


Furtado usa poesia para contar "história de corno"

Diretor de "Decamerão", que estreia hoje, retrata triângulo amoroso em versos

Roteirista diz que usou rima na série com Deborah Secco e Lázaro Ramos "porque é bonito e estabelece uma fronteira com o realismo"


AUDREY FURLANETO
DA SUCURSAL DO RIO

"Tem uma história muito boa", conta o diretor Jorge Furtado. "Manuel Bandeira passava em frente a um hotel no Rio que se chamava Península Fernandes. Um dia, entrou e perguntou ao dono: "Por que esse nome?". E o cara disse: "Fernandes porque é meu nome, península porque é bonito"." É assim que Furtado, 50, explica a razão de ter feito em versos o texto da série "Decamerão", que estreia hoje na Globo e terá quatro episódios, sempre às sextas. "É em verso primeiro porque é bonito. Segundo, porque estabelece uma fronteira com o realismo", justifica.

"Ninguém fala em verso. O teatro foi poesia até o século 18, com Molière, Racine, Shakespeare. O teatro sem verso é uma novidade, tem 200 e poucos anos. A métrica já dá um tom que me interessa, de não ser realista", diz ele.

Se o texto se distancia do realismo pelos versos, a história não -ao menos na opinião do diretor de núcleo da Globo Roberto Talma, que, em entrevista à Ilustrada, afirmou que "Decamerão" é "uma história de corno, de "a" que deu para "b", que deu para "c'".

Furtado, que acumula trabalhos como roteirista e diretor na Globo, como "Agosto" (1992) e "Comédias da Vida Privada" (de 1995 a 1997), acha graça e faz uma lista de outras "histórias de corno": "Dom Casmurro", "Ulisses", "Tristão e Isolda", "Madame Bovary", entre outros. E completa, rindo: "Talma, essa história de corno não existe, é só uma coisa que botaram na sua cabeça".

Na série, Monna (Deborah Secco) é uma criada que se casa com o filho do ex-patrão, Tofano (Matheus Nachtergaele), para herdar sua fortuna, mas está apaixonada pelo falso padre Masetto (Lázaro Ramos). Ela sai de casa dizendo ao marido que vai se confessar e lá se vai uma história de corno.

Com "experiência de leitor de poesia", Furtado fez a redação final em versos a partir de um texto adaptado de "Decamerão", de Giovanni Boccaccio (1313-1375), e gravou numa fazenda colonial em Bento Gonçalves (RS). "Tem que ter um certo ouvido [para escrever poesia], tem que escandir o verso, falar em voz alta, pensar na sonoridade", diz. Durante um ano, ele, Guel Arraes, Carlos Gerbase e Adriana Falcão fizeram a primeira adaptação. Falcão, 49, ajudou a criar os versos. "No começo, pensei em me matar", brinca a roteirista de "A Grande Família". "Aí, passei a tratar o texto como um quebra-cabeça."

Para ela, "o verso passa batido para quem vê, graças à boa interpretação". O elenco não pôde incluir improvisos para não comprometer as rimas. Segundo Furtado, como alguns atores são mais acostumados "àquela interpretação naturalista da televisão", como a protagonista Deborah Secco, o desafio era "transformar o texto num negócio que não soasse como um recitativo". "O verso é só a cereja", conclui Adriana Falcão.

DECAMERÃO

Quando: hoje, às 23h, na Globo
Classificação: não indicado a menores de 16 anos

(© Folha de S. Paulo)
 

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