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66.º Festival Internacional de Cinema de Veneza dá a largada

02/09/2009

Fotos: EFE/AP/Divulgação

O diretor Mario Monicelli chega para a projeção na praça Campo San Polo, em Veneza
 

Evento começa com sessão de gala de 'A Grande Guerra', homenagem ao cineasta Mario Monicelli, de 94 anos

Teresa Ribeiro, do estadao.com.br, com EFE

VENEZA - O Festival  de Veneza começa nesta quarta, 2, com a exibição do filme Baaria, de Giuseppe Tornatore Cinema Paradiso, vencedor do Oscar de melhor filme estrangeiro em 1989), o primeiro longa italiano a abrir a mostra em 20 anos, mas antes disso, acontece nesta terça, 1, uma homenagem especial ao cineasta Mario Monicelli, de 94 anos, que continua em atividade. Em noite de gala será exibido ao ar livre, na praça Campo San Polo, um dos clássicos do diretor, A Grande Guerra, com o qual dividiu o Leão de Ouro do festival com De Crápula a Herói, de Roberto Rossselini, há 50 anos.

O 66.º Festival Internacional de Cinema de Veneza vai de 2 a 12 de setembro no famoso teatro Lido. É um dos festivais mais antigos do mundo. O diretor desta edição é Marco Müller, que tem comandado o evento desde 2004. Dois filmes brasileiros serão exibidos na mostra Horizonte, que não é competitiva, mas tem o prestígio de apresentar um panorama do melhor do cinema mundial: Insolação, de Felipe Hirsch e Daniela Thomas, e Viajo porque Preciso e Volto por que Te Amo, de Karin Aïnouz e Marcelo Gomes. Os dois filmes têm o ator Paulo José no elenco. Há ainda o curta brasileiro O Teu Sorriso, de Pedro Freire, na mostra de curtas.

O júri é presidido pelo diretor taiuanês Ang Lee. Vai avaliar 23 longas, entre eles mais um ácido documentário do americano Michel Moore: Capitalism: A Love Story

Na briga, estão ainda o francês Persécution, de Patrice Chéreau e com Charlotte Gainsbourg (Anticristo, em cartaz no Brasil) como protagonista, e Bad Lieutenant: Port of call New Orleans, do alemão Werner Herzog. 

Mas um nome que tem chamado bastante atenção entre os concorrentes ao principal prêmio do festival é o do estilista americano Tom Ford, que apresentará no Lido seu primeiro trabalho como diretor: A Single Man, uma adaptação de um romance de Christopher Isherwood, com Julianne Moore e Colin Firth no elenco. 

Um filme que pode surpreender é The Road, em que John Hillcoat adapta uma obra do sempre difícil Cormac McCarthy e conta uma história pós-apocalíptica protagonizada por Viggo Mortensen e Charlize Theron. 

A lista da mostra competitiva traz vários filmes italianos, como Lo Spazio Bianco (Francesca Comencini), La Doppia Ora (Giuseppe Capotondi) e Il Grande Sogno, do também ator Michele Plácido. 

Outro ator-diretor, neste caso japonês, Shinya Tsukamoto vai apresentar Tetsuo the Bullet Man. A Ásia também se faz presente com Yi Ngoi (Pou-Soi Cheang), e Lei Wangzi (Yonfan), ambos de Hong Kong, e Ahasin Wetei, do cingalês Vimukhti Jayasundara. 

Do Oriente Médio, foram selecionados Al Mosafer, do egípcio Ahmed Maher (Egito), e Levanon, do israelense Samuel Maoz. 

Disputam ainda o Leão de Ouro, o veterano francês Jacques Rivette (39 Vues du Pic Saint Loup), sua compatriota Claire Denis (White Material), o belga Jaco van Dormael (Mr. Nobody) e a austríaca Jessica Hausner (Lourdes).

(© Estadão)


Grandes nomes, boas promessas


Atriz Maria Grazia Cucinotta posa para os fotógrafos na praia, antes de se apresentar na inauguração do festival

Veneza dá hoje a largada para mais uma maratona cinematográfica, que desta vez terá forte time de cineastas do mundo todo, dois filmes brasileiros na mostra Horizontes e até um prêmio de carreira para Walter Salles

Luiz Zanin Oricchio, VENEZA

Não é ainda desta vez que o Brasil disputará o Leão de Ouro. Numa mostra cheia de nomes famosos como Patrice Chéreau, Werner Herzog, Michael Moore, Jacques Rivette e Giuseppe Tornatore, coube aos brasileiros o consolo de ter dois na mostra paralela Horizontes. Ambos dirigidos em duplas: Viajo porque Preciso, Volto por que Te Amo, de Karin Aïnouz e Marcelo Gomes; Insolação, de Daniela Thomas e Felipe Hirsch.

A mostra Horizontes é importante. Define-se como a seção que privilegia "as novas correntes do cinema mundial". E distribui troféus: o Prêmio Horizontes e o Horizontes Doc, para os documentários. Mas não leva ao Leão de Ouro, ainda inédito no País. Dos três grandes festivais, o Brasil já faturou uma Palma de Ouro em Cannes (O Pagador de Promessas) e dois Ursos de Ouro em Berlim (Central do Brasil e Tropa de Elite). Mas o prêmio principal de Veneza terá de esperar outra ocasião.

A presença brasileira no 66.º Festival de Veneza não se restringe aos filmes que participarão da mostra Horizontes. Na seção Corto Cortissimo entra O Teu Sorriso, de Pedro Freire, com Paulo José e Juliana Carneiro da Cunha. E coube ao diretor Walter Salles o privilégio de ser distinguido com o prêmio Robert Bresson, que lhe será entregue dia 4. Walter já havia participado de Veneza como concorrente, com Abril Despedaçado. Agora vai receber uma distinção destinada a obras que trazem valores espirituais em seu conteúdo, e já foi outorgada a cineastas como Manoel de Oliveira, Alexandr Sokúrov e Theo Angelopoulos. É mais um sinal do reconhecimento internacional do diretor de Central do Brasil e Linha de Passe. (Leia entrevista com ele nesta edição.)

Hoje à noite, o Festival de Veneza começa em grande estilo, com todo o glamour peninsular: apresentação da diva Maria Gracia Cuccinotta (de O Carteiro e o Poeta) e estreia mundial do novo filme de Giuseppe Tornatore, Baarìa, primeiro concorrente ao Leão de Ouro. O título refere-se ao nome fenício da cidade de Bagheria, na Sicília, província de Palermo, terra natal de Tornatore. Filho ilustre, aliás, vencedor do Oscar com Cinema Paradiso. Com eessa volta às suas raízes, Tornatore tem grandes ambições: faz um filme de época, com três gerações de uma família em Bagheria, cobrindo um século de história italiana e passando por duas guerras mundiais, a ascensão e queda do fascismo, o sonho socialista, a democracia cristã, luta armada e fim das ilusões. Ufa! Se vai entregar tudo o que promete é o que se verá.

Tornatore entrará na disputa pelo Leão contra alguns pesos-pesados, tais como o veterano Jacques Rivette, um dos fundadores da nouvelle vague, no ano em que o movimento francês completa seu 50.º aniversário. Ele traz ao Lido um filme chamado Pic Saint Loup, com a atriz cult Jane Birkin e o italiano Sergio Castellitto no elenco. Há mais franceses na disputa, como Patrice Chéreau (Persécution), Jaco van Dormael (Mr. Nobody) e Claire Denis (White Material), com Isabelle Huppert no elenco, uma devoradora de prêmios.

A seleção contempla também várias produções norte-americanas: A Single Man, de Tom Ford, Bad Lieutenant, do alemão Werner Herzog, agora filmando nos EUA, Survival of the Dead, de George Romero, Life During Wartime, de Todd Solondz e The Road, de John Hillcoat. Também dos Estados Unidos vem o único documentário do concurso: The Capitalism, do provocador Michael Moore que, com certeza, provocará frisson no Lido com suas declarações bombásticas e frases de efeito. Tomara o filme, que se pretende crítico ao sistema econômico dominante, tenha substância que justifique o discurso do cineasta.

O perfil da mostra veneziana de 2009 é semelhante ao de outros anos. Veneza será uma mostra europeia, com grande participação norte-americana e olhar voltado para o Oriente. É a marca do diretor Marco Müller, romano, sinólogo de formação e filho de brasileira. Como qualquer diretor de festival de ponta europeu, ele privilegia a produção do continente, abre espaço generoso para os Estados Unidos e procura alternativas de linguagem cinematográfica em outras paragens. Seu olhar tem se fixado no Oriente, até por uma questão de formação e gosto. E prestado pouca atenção à América Latina, pelo menos na competição principal.

Ano passado, Müller foi acusado de proteger demais a produção italiana e sobrecarregar o festival com filmes sem condições de competir. Em 2009 aliviou um pouco a dose. Além de Tornatore, disputam o Leão mais dois italianos: La Doppia Ora, de Giuseppe Capotondi, e Il Grande Sogno, de Michele Placido. Mas, claro, um batalhão de italianos se distribui generosamente pelas outras mostras de Veneza. Quanto aos filmes de "outras geografias", estão mais raros este ano: Tetsuo Bullet Man, do Japão, Lei Wangzi, da China, Between Two Worlds, do Sri Lanka, Levanon, de Israel e El Mosafer, do Egito.

Mas estamos falando apenas do concurso principal, 24 títulos selecionados de 2.519 pretendentes. Veneza, na verdade, é uma maratona do cinema. Há vários filmes fora de concurso, entre eles alguns obrigatórios, como o novo Abel Ferrara (Napoli, Napoli, Napoli) e The Hole, do também cult Joe Dante, além da nova star do clã irianiano Makhmalbaf, Hana, que dirige seu Green Days. A destacar, entre os fora de concurso, um incrível Rambo, agora sob a forma do director?s cut. "Versão do diretor" de Rambo, com a devida homenagem do festival a Sylverter Stallone. Ora, se Gramado homenageou a Xuxa, por que Veneza não pode prestar tributo a Stallone, não é mesmo?

Entre bizarrices dessa ordem, sobra espaço e muito espaço para o que é de fato importante. O diretor Akira Kurosawa (1910-1998) é lembrado por seu centenário de nascimento. Centenário antecipado, diga-se, poIs o grande cineasta japonês nasceu em março de 1910. Mas compreende-se: foi em Veneza que Kurosawa começou a ser conhecido no Ocidente ao vencer o Leão de Ouro em 1951 com Rashomon. Ele voltou a ganhar um Leão de Ouro, desta vez pela carreira, em 1982. É, portanto, um personagem importante da história do festival, que não quis perder a efeméride.

O festival começa hoje para valer. Mas para ontem estava programada a homenagem a Mario Monicelli, que continua ativo e de ótimo humor, em seus esplêndidos 94 anos. Para saudá-lo, o festival reservou aquela que é a mais mágica das suas noites de gala: uma projeção ao ar livre em uma das lindas praças da cidade - o Campo San Polo, onde a multidão poderia ver no telão um dos clássicos do velho diretor, A Grande Guerra, que, há exatos 50 anos, dividia o Leão de Ouro com De Crápula a Herói, de Roberto Rossellini. Que tempos aqueles, do cinema italiano...

(© Estadão)


O filme que leva inovação a Veneza

Marcelo Gomes explica como nasceu Viajo Porque Preciso, Volto Porque te Amo, dirigido em parceria com Karin Aïnouz

Luiz Zanin Oricchio, VENEZA

Na sexta-feira, o Festival de Veneza verá um filme brasileiro com título que parece tirado daquelas mensagens de para-choques de caminhão, Viajo Porque Preciso, Volto Porque te Amo. O longa, que mescla de maneira criativa a linguagem do documentário e da ficção, é dirigido por Marcelo Gomes e Karin Aïnouz, que já tiveram sucesso em suas carreiras individuais. O cearense Karin com Madame Satã e O Céu de Suely. O pernambucano Marcelo com Cinema, Aspirinas e Urubus. São diretores de ponta do cinema nacional contemporâneo e concorrem na mostra Horizontes, que privilegia a inovação da linguagem cinematográfica. Abaixo, a entrevista com Marcelo Gomes.

Primeiro, queria saber sobre a ideia de dirigir em parceria, vocês que já haviam tido experiências individuais bem-sucedidas. Qual foi o desafio de dirigir "a quatro mãos"?

Começamos a colaborar em 1996, quando éramos jovens, na época dos nossos primeiros longas. Foi tão prazeroso trocar ideias sobre esses roteiros que o filme vem como resposta à necessidade de fazermos algo juntos. É um trabalho que se dá através do diálogo, da discussão e raramente estamos de acordo num primeiro momento. Mas, no fim dá tudo certo porque temos um desejo similar em relação ao cinema: do que gostamos de ver, do que admiramos e o mais importante: do que queremos descobrir, de novos caminhos, do desejo de "bagunçar"com a linguagem cinematográfica, de pensar novas narrativas, no meio-fio entre o documentário, a ficção e as artes plásticas. Na realidade, Viajo Porque Preciso é nosso primeiro longa, que começamos há dez anos e acabamos agora.

Achei bem original a ideia da voz off o tempo todo. O protagonista que não aparece. Como surgiu? Que impacto pode ter no espectador?

O filme é como um diário de viagem e os diários, a priori, não são feitos para serem lidos porque são secretos, íntimos, impressões particulares sobre o mundo. Imaginar a quebra desse segredo foi nossa estratégia, o ponto de partida. A narrativa em primeira pessoa expõe a intimidade, as dúvidas, a vulnerabilidade do personagem. Nossa ideia é que o personagem fosse viajando e fazendo fotos, filmes, gravações, fitas cassete com músicas, juntando objetos, sons, ou seja, um personagem que colecionando impressões para transformá-las num álbum ou diário audiovisual. É necessário ver um personagem para um filme ser narrativo? É preciso que a narrativa tenha causalidade para o filme existir? Precisamos ver o protagonista para se identificar com ele? Cada espectador pode construir o personagem que imaginar.

Viajo Porque Preciso, Volto Porque te Amo, que título, hein? Fale um pouco sobre ele. Parece mensagem de para-choque de caminhão...

Nosso personagem Zé Renato é geólogo da classe média que viaja pelo sertão e vai se contaminando por aquela paisagem, por aqueles universo da estrada, das frases de caminhão, dos desenhos no banheiro, das músicas que escuta no rádio. Então as imagens refletem os sentimentos de Zé Renato que está passando por um momento de desenlace amoroso e aquela frase, escrita no banheiro e usadas em muitos para-choques de caminhão, se cristaliza em seus pensamentos. A trilha sonora também são músicas românticas que escutamos durante as filmagens. Tem desde o Noel Rosa, da década de 1930, às músicas pop que o personagem fica ouvindo o tempo todo enquanto está viajando, passando por uma trilha sonora composta especialmente para traduzir as sensações dele. Há também a música Morango do Nordeste que tocava em todo lugar quando nós estávamos viajando por aquela região. Não tinha como fazer o filme e não colocar.

Filme de estrada para conhecer a realidade do Brasil. Esse é o mote?

As impressões do Zé Renato, mesmo particulares, revelam um mundo ao redor. E esse mundo ao redor é um Brasil em transformação. Um mundo híbrido, entre o artesanal e o tecnológico, um Brasil rural que vive um processo de modernização desenfreada. Essa seria uma fricção revelada, entre o rural e o urbano, mas há outras, como o documentário e ficção, o íntimo e o público, o que é o cinema e o que será o cinema.

É uma ficção com viés documental? Um doc ficcional? Mescla dos dois? Como vocês veem o intercâmbio desses dois gêneros hoje? Depois do Coutinho ficou difícil definir os gêneros. E o filme de vocês acho que acrescenta mais um desafio à coisa.

Viajo é uma experiência, um ensaio cinematográfico. Já fizemos instalações, já trabalhamos com documentário, escrevemos ficção. Nosso desejo é procurar caminhos para contar histórias utilizando diferentes suportes, fundindo linguagens. O filme foi, afinal, um exercício de costurar, um bordado de emoções. Nas artes plásticas, no campo da videoarte há muita apropriação de material ficcional para construir um documentário e vice-versa. Estamos em 2009. O cinema, como o mundo, passa por um momento de reinvenção. O videogame, os quadrinhos, os filmes feitos em celulares, a música gratuita, os jogos interativos, os sites de relacionamento. Nunca a narrativa linear foi tão colocada em questão, nunca o cinema foi tão infectado por um meio de comunicação como a internet. O filme veio como necessidade de dialogar com fotolog, youTube, internet, de uma vontade imensa de olharmos para um estado de coisas que nos atiça. O frescor do erro e acerto, de buscar sem a obrigatoriedade de acertar. Para nós, é um filme de aventura também. Um road movie, como gênero, é de aventura, e esse filme é o registro de uma aventura, dentro de um âmbito de alegria. Viva o prazer de fazer cinema, e de não saber fazer cinema. Viva o prazer da invenção.

Mas também trata de uma história de amor, ou desamor, ou cura do amor perdido. Ele tem um tom desalentado, até no registro fotográfico.

A identidade masculina está em crise. Por crise não digo problema, mas mudança. O masculino passa por um momento que aponta para uma mudança de rumo, para um outro desenlace. O papel do homem como pai, como marido tem mudado significativamente. A própria identidade masculina está em processo, está sendo ?rearrumada?. O mundo vai ficando cada vez mais complexo e, de uma forma ou de outra, é interessante tecer um contraste entre diálogos e transições e falar de sentimentos eternos. Estavam em Shakespeare, estavam nas tragédias gregas, estão por aí desde sempre: o amor ou o desamor. O mais interessante é descobrir um caminho particular para falar de algo universal, que é a solidão, o abandono, um mundo em transmutação. O nosso é um melodrama que se enrosca em um filme de estrada, com um personagem aferrado à terra, um geólogo, um macho - um macho que às vezes é impotente, e que às vezes explode de tesão. Não lidamos com o clichê da mulher abandonada, mas com um homem que diz tudo que não tem coragem de dizer, só que para um gravador no meio de um deserto. No filme, as águas que serão transpostas para inundar essa região são espelho do que o personagem sente. Ele crê num lugar utópico, mas a utopia é um não-lugar, um embate: onde você está agora versus onde você queria estar. José Renato quer continuar a viver, mas não sabe o que será dessa vida.

Ao mesmo tempo, a questão social do interiorzão do Brasil está bem inscrita na tela. A ideia foi fazer uma mescla das duas coisas?

Nosso cinema é de personagem, ele está no centro de tudo. Por isso, a trilha sonora tem faixas construídas para traduzir o sentimento desse personagem. As imagens são experiências do personagem atreladas aos sentimentos dele. Ele levou um pé na bunda e estabelece uma relação com aquele lugar por onde viaja. De início, parece nostálgica e romântica, mas aos poucos vai se tornando real. Desse modo, a música também faz parte da narrativa emocional do personagem, da construção de uma história guiada pelas emoções e sensações, que é o que nos interessa. E o Brasil está ali presente, um Brasil particular, próprio mas real.

(© Estadão)


Salles ganha prêmio pela ''espiritualidade''

Cineasta de Central do Brasil e Linha de Passe fala do tributo que recebe sexta, em nome dos valores espirituais de seus filmes Luiz Zanin Oricchio

O cineasta brasileiro Walter Salles é um dos homenageados do Festival de Veneza. Na sexta-feira, o cineasta receberá o Prêmio Robert Bresson, criado a partir da 10ª edição do festival. Segundo os organizadores, Walter foi escolhido pela contribuição de sua obra como "testemunho importante do difícil caminho em busca do significado espiritual de nossa vida". Antes dele, receberam a mesma distinção diretores como Giuseppe Tornatore, Wim Wenders e Aleksandr Sokurov.

O que diz sobre essa homenagem de Veneza? Ela o surpreendeu?

A maioria dos cineastas que já ganharam o Prêmio Robert Bresson tem uma filmografia muito mais ampla do que a minha. É o caso de Manoel de Oliveira, Sokurov, Angelopoulos, o próprio Wim Wenders. Há também o fato de que o prêmio porta o nome de um dos mais rigorosos cineastas de todos os tempos, o que me fez pensar bastante antes de aceitar. Nesse sentido, entendo o prêmio como um olhar generoso sobre os filmes que já realizei e como incentivo aos que espero ainda dirigir.

A homenagem é feita a cineastas que trazem, em seus filmes, valores espirituais (acho que no sentido largo do termo, não religioso). Você tem sempre isso em mente quando elege um projeto e quando o filma?

Para mim, o ponto de partida é sempre a questão da busca da identidade, em como os personagens se redefinem no embate com o mundo. A sensação de deslocamento, de não pertencimento, está na base de quase todos filmes que dirigi ou codirigi. Os valores espirituais eventualmente associados a essa busca são, se é que existem, uma consequência dessa escolha inicial. Para que o contrário aconteça, ou seja, para que o que se entende como "espiritualidade" seja parte integrante da concepção de um filme, é preciso olhar para os mestres que foram Tarkovski ou Kieslowski, por exemplo. Em Andrei Roublev ou O Decálogo, as indagações metafísicas são a razão de ser desses filmes. O mesmo poderia ser dito de O Céu Sobre Berlim, do Wenders. Gostaria de ter a mesma imaginação, mas não tenho.

O nome do prêmio é Robert Bresson. Qual o seu contato com a obra desse diretor?

Bresson me marcou não só como cineasta mas também como pensador. Ele é um daqueles raros diretores que soube ao mesmo tempo transformar o cinema pela ação e pelas ideias. Pickpocket e Um Condenado à Morte Escapou foram filmes importantes nos anos de formação, e também gosto muito de Au Hasard Balthazar. Há nos seus filmes um sentido de alargamento do tempo, uma valorização dos silêncios, um rigor na maneira de olhar ou enquadrar que só têm igual em Dreyer. A forma como ele usou não-atores ou conceitualizou o "fora de campo" em seus filmes teve um impacto duradouro - o novo cinema chinês ou cineastas como Kiarostami não seriam os mesmos sem Bresson. É cinema que não mente. Há também rara qualidade libertária em seus filmes: em Um Condenado Escapou, a câmera permanece o tempo inteiro solidária ao homem na prisão, mas os sons que ouvimos são os da rua. Ou seja, aquilo que está além muros, aquilo que imaginamos, é mais importante do que a prisão que vemos.

Em artigo recente, você discutiu a dificuldade do cinema de autor contemporâneo. Como é possível para o cinema de autor não perder essa luta tão desigual contra o cinema de puro entretenimento?

Em primeiro lugar, não acho que exista uma simples oposição entre cinema comercial e cinema de autor. Pegue Chaplin, por exemplo: o mais popular de todos os cineastas da história do cinema era ao mesmo tempo diretor, roteirista, ator, montador e compositor da trilha sonora de seus filmes. Ninguém levou a noção do "autor" tão longe quanto Chaplin. Ao mesmo tempo, ninguém fez um cinema tão inteligente e acessível. Se existe uma real oposição, ela se dá entre o cinema independente e o cinema mecânico, repetitivo, feito para passar em centenas de salas dos shoppings. Num ensaio que um amigo me fez ler há pouco, John Berger diz que "o cinema é aquilo que leva na direção do desconhecido; no cinema, somos todos viajantes". Veja o caso recente do filme de Alain Resnais que ficou mais de um ano em cartaz em São Paulo. Quando um filme bate no nervo e oferece algo que não foi visto ou sentido, o público vem.

Em sua opinião, quem continua a fazer esse tipo de cinema hoje em dia?

Jia Zhang-ke. Para mim, é quem melhor encarna o que o cinema deveria ser. É um cinema de um humanismo seco e cortante, que ajuda a entender o mundo em que vivemos.

Queria que falasse sobre o homenageado Mario Monicelli, de 94 anos.

Sou fã incondicional de Monicelli. Não só do maravilhoso Exército de Brancaleone, mas também de Meus Caros Amigos ou Parente É Serpente. Há uma mordacidade, um olhar ao mesmo tempo anárquico e libertário em seus filmes, que são essenciais.

(© Estadão)
 

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