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Pasolini, mito além da tela

24/10/2002

Pier Paolo Pasolini

 

Teórico italiano diz que cineasta foi mais importante como escritor e intelectual

Rodrigo Fonseca
Repórter do JB

   SÃO PAULO - Nem Fellini, nem De Sica e tampouco Michelangelo Antonioni. Jamais a a Itália foi mostrada no cinema em toda sua essência como na obra de Pier Paolo Pasolini (1922-1975). A afirmação pode parecer exagero, mas é a base da tese defendida por um dos mais importantes teóricos da cultura italiana na atualidade, o escritor e professor romano Alfonso Berardinelli, 59 anos. Especialista na obra poética de Pasolini e admirador de seus filmes, ele está no Brasil para falar sobre o cineasta na 26ª Mostra BR - Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, que tem como um de seus mais saborosos pratos uma retrospectiva do que de melhor produziu Pasolini, nascido há 80 anos em Bolonha e assassinado brutalmente em 2 de novembro de 1975, supostamente por um garoto de programa. O evento marca ainda o lançamento do livro Pier Paolo Pasolini, de Maria Betânia Amoroso. Para compreender a importância de Pasolini - que produziu ensaios, poemas, romances e enveredou pelo teatro -, Berardinelli, que debate hoje o tema Pasolini: o poeta cívico, afirma que é preciso uma perspectiva mais ampla. Na entrevista que segue, ele fala sobre marxismo, religião, sexualidade e outros assuntos associados a Pasolini.

- O mito de Pasolini ainda vive hoje?

- Está muito vivo, mas é difícil de ser interpretado. Todos os jovens que entram em contato com sua obra, à exceção dos alienados pela TV, sentem um choque. A juventude ainda se pergunta como é possível usar o cinema da maneira como ele usou.

- Como esse mito é cultuado pelos jovens?

- De um lado há uma espécie de culto público oficial. Ele é político e acadêmico. Mas é um culto hipócrita. Do outro, há os espectadores jovens, que descobrem através de seu cinema e de sua literatura tudo que ele pretendia realizar.

- De que forma o cinema de Pasolini expressa a essência da cultura italiana?

- Não existiu, na segunda metade do século 20, nenhum intelectual mais apaixona-damente italiano do que Pasolini. Seu cinema interpretou magnificamente o espírito italiano, mais do que qualquer conterrâneo seu. A Itália de Fellini, por exemplo, é universal. A que Pasolini amava era rural. De olhos abertos para a realidade, ele usou o cinema como uma sonda para explorar questões daquela sociedade. Mostrou sua miséria e sua decadência, criticou a homogeneização de sua cultura e a destruição de valores religiosos provocada pela modernização burguesa.

- No cenário cultural italiano, a obra literária de Pasolini é considerada tão importante como o cinema que ele produziu?

- Pasolini apareceu como um dos mais importantes autores italianos por seu valor estético e crítico. E ainda é um dos nomes mais presentes, mais amados, mais odiados da literatura na Itália. Só que fora do país, ainda é exclusivamente um diretor. Não quero dramatizar, já que seus filmes são importantes, mas não há como negar que, acima de tudo, ele é um escritor. Sua obra cinematográfica sinaliza isso. Todos os diálogos, do personagem mais humilde ao mais intelectual, são extratos da mais pura literatura.

- Então a maior arma de Pasolini era a palavra?

- A principal arma de Pasolini era sua capacidade de usar contemporaneamente muitas armas. Era impossível delimitar um único ângulo em sua rota cultural. Antes de ser poeta ou cineasta, ele era um intelectual. Quando fazia filmes, criava grande impacto sobre o público. Ao mesmo tempo, fazia seus poemas. Sua maior qualidade era transitar por todos os meios de comunicação. Além de haver uma relação de osmose entre as artes com as quais se envolveu. Seu teatro era mais poesia que dramaturgia, já sua poesia era muito teatral.

- Diferentemente do que acontecia com outros cineastas italianos, mais preocupados com a forma, os filmes de Pasolini apresentam defeitos e imperfeições. Como esses deslizes, a maioria propositais, se inte-gram à proposta do diretor?

- Como diretor, Pasolini era um artista que deixava a impressão de não ter um controle amplo do meio cinematográfico. Às vezes, quando dirigia um jovem ator e este aparecia em cena sorrindo na hora errada, Pasolini não se sentia embaraçado. Não o repreendia. Ele não tinha a pretensão de alcançar uma imagem perfeita. Filmava uma vez e aquela era a cena que valia. Pasolini não era um dominador, como Stanley Kubrick ou Alfred Hitchcock. Queria registrar a realidade diante de seus olhos. Não queria que seus filmes fossem uma caricatura dessa realidade.

(© JB Online)

Cineasta de atitudes polêmicas
   Pasolini conhecia pouco o marxismo. Não era um teórico no assunto, embora quisesse ser marxista. Ele era atraído pela idéia de que o poder e a riqueza são princípios de corrupção. Mas não aceitava o que realmente conta nessa corrente de pensamento: o desenvolvi-mento da sociedade capitalista. Será esse desenvolvi-mento o que permitirá a formação de uma classe operária forte que romperá com a máquina do sistema. O pensamento de Pasolini era contra isso.

- Essa posição apenas ilustra o quão contraditório ele era, não?

- Sua atitude contraditória foi politicamente negativa também. Ele disse coisas corajosas. Até inaceitáveis. Foi contra o aborto, por exemplo, numa época em que toda a esquerda era a favor. Disse que era preciso abolir as escolas para que a juventude fosse libertada. Mas sempre procurou travar um diálogo com o Partido Comunista Italiano, o que se explica pelo fato de o PCI ter exercido uma espécie de democracia que valorizava as questões do povo.

(© JB Online)


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